Brincar fora de casa | Museu do Amanhã

Brincar fora de casa - Um bom remédio para crianças

Observatório do Amanhã
Duas crianças sentadas sorrindo

Por Daniel Becker*

A cada ano que passa, as crianças estão mais confinadas entre quatro paredes. Pesquisas mostram que em grandes centros urbanos, elas passam uma hora ou menos ao ar livre e em ambientes naturais. Em contrapartida, o tempo que passam em frente a uma tela, seja ela de computador, televisão ou smartphone, aumenta a cada dia. No Brasil, a situação pode ser ainda mais grave: nosso modelo de urbanização, a vida nas grandes cidades, desiguais e violentas, a deterioração de espaços públicos, o transito caótico, impedem que as crianças brinquem nas ruas e as  afastam do contato com a natureza. 

As escolas também não ajudam, privilegiando uma educação com foco cognitivo e “conteudista” em detrimento do brincar, da exploração dos sentidos e das emoções, da consciência corporal e do movimento, e confinando alunos em salas de aula fechadas - ao invés de explorarem as múltiplas possibilidades de aprendizado dos ambientes naturais.

Essa “cultura do confinamento” é nociva para a saúde física, mental e espiritual de indivíduos e coletividades. A inatividade e o confinamento das crianças e jovens resulta em doenças como diabetes, obesidade (30% das crianças brasileiras tem sobrepeso e cerca de 15% são obesas), fragilidade óssea, miopia e declínio da forma cardiorrespiratória e da força muscular. Predispõe ao sedentarismo no futuro, uma das principais causas de morbidade e mortalidade do adulto. Prejudica a memória, o aprendizado e a atenção, torna as crianças mais agressivas e impulsivas. A distração permanente das telas restringe a imaginação e a criatividade. As telas trazem ainda a influência negativa da publicidade, que internaliza valores como o consumismo, a futilidade, a erotização precoce e o sexismo, e favorece o consumo de alimentos tóxicos, brinquedos caros e bebidas alcoólicas.

Ao contrário, o livre brincar em meio à natureza melhora a imunidade, as alergias, reduz a obesidade, acalma, melhora a concentração e a aprendizagem, e reduz a insônia, o déficit de atenção e a hiperatividade – tudo isso bastante bem demonstrado por estudos e pesquisas. É o remédio para o que o jornalista e escritor Richard Louv, pioneiro do ativismo pelo contato da criança com a natureza chamou, em 2005, de “transtorno de déficit de natureza”.

Brincando na natureza, a criança se prepara para a vida, desenvolvendo habilidades não cognitivas, que nenhuma escola ensina: motivação e curiosidade, inteligência social e emocional, adiamento da gratificação, autocuidado e autoestima, avaliação de risco, tomada de decisão, criatividade, imaginação, humor, coordenação, força, coragem. A natureza oferece uma multiplicidade de estímulos e elementos a serem explorados, que por si estimulam o desejo de brincar. 

E, como a ciência  já demonstra: crianças que passam mais tempo brincando e na natureza aprendem melhor mesmo o conteúdo formal da escola. Serão crianças mais relaxadas, imaginativas, criativas e sobretudo, mais felizes.

Brincando em conjunto, livremente, nossos filhos e filhas desenvolvem a capacidade de colaboração e trabalho em grupo a empatia, tão necessária a nossa sociedade nos dias de hoje. Na interação com outras crianças, de outras classes, aprendem o valor do convívio e da tolerância, que melhora a vida nas cidades, promovendo o encontro. Precisamos de cidades mais humanas, com menos estacionamentos e ruas e mais parques e praças com espaços naturais, com famílias ocupando o espaço público e exigindo de seus governantes melhor qualidade de vida, em cidades mais justas e sustentáveis.

É preciso lembrar também que a falta de contato das novas gerações com a natureza pode se transformar em um problema muito maior. Nossas crianças de hoje enfrentarão, como adultos, uma séria crise ambiental. E precisarão cada vez mais defender a natureza. Só podemos cuidar e proteger aquilo que amamos, e para amar é preciso ter a experiência, vivenciar intensamente. Levar nossos filhos para uma cachoeira é, de certa forma portanto, trabalhar pela sobrevivência da humanidade, no futuro.

Ultimamente tem crescido muito a quantidade de estudos que demonstram a importância da natureza para o bem estar e a saúde humana, especialmente das crianças. Mas afinal, desde quando precisamos da medicina para convencer alguém que precisamos e desejamos experimentar, vivenciar a natureza? Que nossas mãos querem tocar a pedra e a árvore? Ou que nossos olhos querem descansar contemplando o encontro do mar e o céu no horizonte vermelho de um por de sol? 

Desde quando precisamos da neurociência para provar que crianças se sentem melhor, são mais saudáveis e mais felizes quando estão na natureza? Que esse contato é nutritivo, criativo, formador, que estimula a saúde, a imaginação, o afeto e o senso de maravilhamento? 

Desde quando precisamos de estudos e pesquisas e publicações acadêmicas para demonstrar que cidades são mais felizes e tem melhor qualidade de vida quando tem menos engarrafamentos e mais transporte coletivo e bicicletas, quando são repletas de ruas arborizadas, praças e parques, áreas verdes bem mantidas, seguras e acessíveis para todos, onde as pessoas podem se encontrar, brincar e vivenciar a cultura? 

Nos afastamos da natureza tanto que o óbvio ficou obscurecido. Parece que precisamos mesmo de artifícios para nos lembrar. Nos afastamos tanto que há muitas crianças hoje que sequer conhecem a matriz de onde vem, a matéria do que são feitas: o mundo natural. 

Vamos lembrá-las, e fazê-las pessoas mais felizes, criativas e prontas para a vida. Vamos levar as crianças para brincar na natureza. E vamos juntos, para brincar também.

*Daniel Becker é médico pediatra, tendo sido pioneiro no Brasil da Pediatria Integral, co-criador do Programa de Saúde da Família, além de fundador do Centro de Promoção da Saúde (Cedaps), referência nos campos de Promoção da Saúde, prevenção do HIV/Aids e desenvolvimento comunitário.

O Museu do Amanhã é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – IDG, e conta com patrocinadores e parcerias que garantem a manutenção e execução dos projetos e programas ao longo do ano. O projeto é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, concebido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo.