Futuro das Cidades, Futuro do Planeta | Museu do Amanhã

Futuro das Cidades, Futuro do Planeta

Observatório do Amanhã
Cidade vista de cima / Foto: Chris Isherwood

Por Davi Bonela*

Líderes mundiais se reuniram pela primeira vez em 1976 para discutir os rumos da urbanização, em conferência realizada pelas Nações Unidas conhecida por Habitat, no Canadá. Em meio a explosões do crescimento da população, da produção, do consumo e do uso dos recursos naturais, já naquela década era reconhecida a magnitude das cidades, onde viviam 38% da população global, estimada em um pouco mais de 3,7 bilhões de pessoas.

Quarenta anos depois, a urbanização volta a ser debatida nesta segunda-feira (17) na terceira edição da mesma conferência, realizada em Quito, no Equador, onde a agenda urbana global para os próximos vinte anos será decidida por governantes, empresários, organizações não-governamentais e a sociedade civil. A Habitat 3 acontece num momento inédito na história. Em 2016, ultrapassamos 7,3 bilhões de pessoas em todo mundo, e mais da metade delas, exatamente 54,5%, está nas cidades. A tendência é que este número aumente sem cessar até 2050, quando mais 2,5 bilhões de pessoas viverão em solo urbano, alcançando mais de 70% da população mundial. Isso faz com que todos os desafios globais se concentrem nas cidades, que passam a definir o futuro do planeta e da humanidade.

Palco da sustentabilidade e da convivência

Hoje existem 29 megacidades com mais de 10 milhões de habitantes e 44 grandes cidades que têm entre 5 e 10 milhões de habitantes. A altura dos prédios, a multidão nas ruas ou o volume do engarrafamento podem dar a impressão que o mundo é feito só de cidades. Mas, a verdade é que elas ocupam apenas 2% da superfície do planeta. O seu impacto se torna global pelo tanto que elas produzem e demandam de recursos. Atualmente, as cidades contabilizam 70% de todo o Produto Interno Bruto (PIB), mais de 60% do consumo de energia, 70% das emissões de gases de efeito estufa e 70% dos resíduos.

É impossível, então, pensar na sustentabilidade do planeta sem pensar em cidades sustentáveis. O texto-base da agenda, divulgado para a preparação dos participantes da conferência, é enfático neste ponto. Com o atual modelo de consumo insustentável e os padrões de produção, as cidades fazem parte das ameaças sobre o planeta que vão desde a perda de biodiversidade, passam pela pressão sobre os ecossistemas, a poluição, os desastres, até todas as consequências das mudanças climáticas.

A convivência também será mais e mais um desafio urbano. Não só devido ao aumento do número habitantes nas cidades, mas porque, segundo dados das Nações Unidas, perto de 2020 a população global passará por uma mudança sem precedentes: o número de adultos com 65 anos ou mais superará o número de crianças com menos de 5 anos. E os mais velhos continuarão aumentando, enquanto os mais jovens diminuindo. 

Com isso, em 2050, a tendência é que a população com 65 anos ou mais represente 15,6% da população mundial, enquanto os com menos de 5 anos representem 7,2%. Fica então a pergunta: como tornar as cidades mais amigáveis para essa nova idade da população mundial? As cidades serão adaptadas a população ou a população irá se adaptar as cidades? A saúde e o bem-estar da população mundial nas próximas décadas passará pelo planejamento urbano.

Os desafios da convivência não acabam aí. Como lidaremos com as diferenças culturais, comportamentais ou de gênero? O fluxo de pessoas entre as cidades – seja forçado, por exemplo, no caso dos refugiados, ou por opção – fará da diversidade a marca da vida urbana. E como vamos lidar com as diferenças? Vamos aceitá-las ou confrontá-las? E do ponto de vista econômico, vamos colaborar mais ou competir mais?

O texto-base da nova agenda vê a diversidade cultural como uma fonte de enriquecimento para a humanidade. Também acredita que ela possa contribuir para o desenvolvimento urbano sustentável, devendo ser considerada no estímulo a padrões de consumo e de produção sustentáveis.

Desigualdade continua a nos desafiar

Já na Habitat 1, de quatro décadas atrás, a desigualdade socioeconômica era declarada um desafio global percebido concretamente nas cidades por diferenças inaceitáveis na habitação. Em 2016, pobreza e a desigualdade continuam erguendo muros que dividem a população por habitação, renda, oportunidades e gêneros.

Desde os eventos preparatórios para a Habitat 3, a orientação é que a desigualdade seja encarada de frente por todos os países, trabalhando em conjunto para a erradicação da pobreza, incluindo a fome, nos próximos anos. O compromisso das nações com a promoção de um crescimento econômico sustentável, inclusivo e contínuo, assim como a equidade de gênero, o empoderamento de mulheres e meninas, e a proteção do meio ambiente também está sendo reivindicado.

O enfrentamento das desigualdades pode ajudar a nova agenda urbana a solucionar outros desafios. Isso porque, em cidades desiguais, a população enfrenta problemas diferentes — ou enfrenta os mesmos problemas que, no entanto, aparecem de formas diferentes. Isso fragmenta a percepção social e dificulta o engajamento de todos numa agenda comum.

Diante disso, a nova agenda urbana conclama os países a uma ampla gama de meios de implementação. Destaca o acesso à ciência, tecnologia e inovação e maior troca de conhecimentos, desenvolvimento de capacidades e mobilização de recursos financeiros. Enfatiza os princípios da igualdade, da não discriminação, responsabilidade, respeito pelos direitos humanos e da solidariedade, especialmente com aqueles que são os mais pobres e mais vulneráveis. Não se sabe o que de fato será posto em prática desta agenda nos próximos anos. Mas já se sabe que, no século XXI, as cidades serão o palco dos acertos e desacertos que moldarão o amanhã.

*Davi Bonela é pesquisador do Observatório do Amanhã

 

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