Rio de Janeiro: dando escala a soluções verdes urbanas | Museu do Amanhã

Rio de Janeiro: dando escala a soluções verdes urbanas

Observatório do Amanhã
Final de tarde no Rio de Janeiro visto de cima de um morro. A perspectiva da foto mostra a floresta na frente do mar da cidade.

Fabio Rubio Scarano*

A maioria das pessoas (mais de 50%, ou 3,5 bilhões) vive em cidades, e até 2050 esse número terá dobrado. De 2000 a 2030, a cobertura urbana do planeta deverá aumentar em 1,2 milhões km2 – três vezes mais em relação a hoje –, enquanto a população global das cidades terá crescido 70%. As cidades ocupam atualmente apenas 2% da superfície terrestre, mas, no entanto, consomem 75% dos recursos do planeta.

Diante deste cenário, fica evidente que uma boa oferta de serviços ambientais dentro das cidades é vital tanto à sustentabilidade urbana quanto à diminuição do impacto sobre recursos naturais externos à cidade. A biodiversidade é a guardiã de serviços vitais à humanidade, e sua redução nas cidades inclui efeitos tanto locais como remotos.

Há consequências de impacto negativo imediato, como sobre o fornecimento de água, a produção de alimentos e o microclima. E aquelas de médio e longo prazo, como uma menor capacidade de adaptação às mudanças climáticas. Portanto, um crescente número de cidades tem reconhecido que a biodiversidade e os serviços ambientais são essenciais para a adaptação da sociedade às mudanças do clima. 

Rio e o verde

O Rio de Janeiro tem real potencial de se tornar um modelo de metrópole sustentável, ao menos do ponto de vista ambiental, já que está inserida em um hotspot de biodiversidade: a Mata Atlântica. Além disso, são muitos os bons modelos dos quais a cidade já dispõe. O caso de restauração da Floresta da Tijuca, empreendido há mais de 150 anos pelo então Imperador Dom Pedro II, é um deles. O outro é o Programa Mutirão de Reflorestamento, iniciado em 1987 pela Prefeitura do Rio, com a participação direta das comunidades locais beneficiadas na realização dos plantios, em regime de mutirão remunerado. Já beneficia mais de 300 mil pessoas.

A Região Metropolitana possui cerca de 90 mil hectares de áreas protegidas (16% do território total, de 565 mil hectares), constituindo um significativo cinturão verde para a cidade. Essa área se conecta com o exterior da área metropolitana, somando 200 mil hectares de proteção. Resulta que a biodiversidade do município tem baixa vulnerabilidade à pressão antrópica e o maior índice de valor para conservação. Ou seja, a maior ocorrência conjunta de espécies ameaçadas e endêmicas do Estado.
 
Entretanto, muitos dos casos de sucesso – como o Aterro do Flamengo – estão concentrados na paisagem natural e cultural voltada à Zona Sul da cidade, que inclui trechos da Floresta da Tijuca e da Baía de Guanabara, e que foi classificada pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade em 2012.

A distribuição de verde e de casos de sucesso pela cidade é desigual. Em 2009, o Rio de Janeiro contava com um déficit de 800 mil árvores na sua arborização urbana: 93,7% dos bairros tinham arborização deficiente, enquanto os bem arborizados se encontravam na Zona Sul.

Combinar parques urbanos, com arborização adequada, e criar conectividade entre as manchas verdes da cidade vão exigir adaptações em partes da cidade onde o verde esteja em falta, com base em experiências de sucesso já existentes. Mas isso não bastará para assegurar um bom fluxo de serviços ambientais, já que muito disso vem de fora dos limites municipais.

O abastecimento de água, por exemplo, se dá em 85% pelo rio Guandu, que por sua vez é abastecido por uma transposição do rio Paraíba do Sul – ambos cruzam vários municípios. O Guandu dispõe apenas de cerca de 11% das suas margens florestadas e a situação do Paraíba é tão grave quanto. A cidade, portanto, deveria se preocupar com a vegetação que protege esse serviço ambiental e criar mecanismos de governança integrada com municípios das bacias desses rios.

Já os alimentos, à medida que capital e Região Metropolitana crescem, ficam cada vez mais distantes do centro de consumo. Para lidar com isso, a Prefeitura conta desde 2006 com o programa “Hortas Cariocas”, que é presente em 30 comunidades e na rede municipal de ensino da cidade, gerando empregos e renda, reforçando a alimentação saudável e educando para o consumo responsável. O programa faz o plantio de verduras, hortaliças e frutos com técnicas orgânicas e aproveitamento da mão-de-obra local, em sistema de mutirão remunerado. Tal qual os outros casos de sucesso, esse programa também precisa ganhar escala. Iniciativas locais espontâneas, como a de produção de alimentos em Guaratiba, são também de grande relevância para aproximar alimento de qualidade e consumidores urbanos.

O futuro do verde

A ciência reconhece que um mecanismo eficiente e de baixo custo para se adaptar às mudanças climáticas em curso se dá por meio da conservação ou restauração de ecossistemas, que asseguram o bom fluxo de serviços ambientais e geram oportunidades de emprego e renda.

“De nascença”, o Rio possui uma incrível vantagem comparativa na sua paisagem natural, além de um histórico notável de casos de sucesso e inovações quanto à conservação ou recomposição do verde urbano (veja quadro abaixo). Isso dá à capital fluminense a oportunidade de construir uma estratégia de distribuição espacial desse verde, tanto dentro da cidade quanto em direção aos municípios que fornecem ao Rio alguns serviços ambientais vitais, como alimento e água. Tal estratégia, uma vez executada, tornará o Rio um exemplo global de cidade sustentável, adaptada ao que vem por aí, com base em ecossistemas naturais harmonizados com ecossistemas construídos.

 

 

 * Diretor-executivo da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), do Rio de Janeiro, e professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi autor principal para o primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC; 2011-2014) e para o quinto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC; 2011-2014). Atualmente, integra o quadro de autores do Painel Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ambientais (IPBES) como autor principal e coordenador.

O Museu do Amanhã é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – IDG, e conta com patrocinadores e parcerias que garantem a manutenção e execução dos projetos e programas ao longo do ano. O projeto é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, concebido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo.