Oceano o mundo é um arquipélago

A exposição se ergue em torno dos eixos memória, atenção e antecipação, propondo um diálogo entre a inteligência humana e a inteligência oceânica.

O mundo é um arquipélago

Um arquipélago é onde interdependência e diferença coexistem. As ilhas de um arquipélago devem “unir litorais e aproximar horizontes”, como dizia Édouard Glissant (1928–2011). Para o filósofo e professor da Martinica, o arquipélago é uma expressão de globalidade: o todo que produz diferenças capazes de dar origem ao novo em oposição à globalização, que padroniza e dilui. Se a terra está enraizada na água, como propôs Heráclito, o oceano é um só, no singular. As terras e nós (afinal, somos húmus – Homo) somos arquipélagos enraizados nesse mar. O oceano é o nó líquido que ata as partes. A utopia é justamente a busca pela realização dessa unidade plural.

Contudo, agimos na modernidade como se fôssemos ilhas absolutas, autônomas, seja individualmente, seja nos nossos continentes. “Não será nos isolando que combateremos a homogeneidade da globalização”, afirmava Glissant. Esse modo de vida desconectado da interdependência do mundo nos conduz a um estado de policrise (mudanças climáticas, perda de biodiversidade e guerras), cuja consequência inevitável é o naufrágio: uma ruptura que impõe transformações individuais e coletivas que levam ao surgimento de um novo estado de ser. O que emerge após o naufrágio é uma fértil combinação entre o vivo e o morto.

Nós, seres humanos, temos no corpo, mente e espírito as marcas do oceano: evolutivas, ecológicas, culturais e históricas. Nossa espécie tem um histórico de atenção e intimidade com o mar, que sempre proporcionou alimento, transporte e cultura. A ciência moderna ampliou muito nossa capacidade lógica e racional de antecipar cenários futuros, mas, ainda assim, mesmo diante das piores projeções, a sociedade moderna não sente o risco e hesita em mudar seus hábitos que poluem e degradam. Logo, dados e fatos sobre o estado do oceano não bastam para inspirar mudança. Precisamos sentir, e a fonte destes sentimentos são nossos “oceanos internos”.

Seriam essas “atitudes” oceânicas voluntárias? E se o oceano for capaz de agir? Agir pressupõe escolher e discernir, que é justo o que define inteligência. Seria o oceano inteligente? Tal qual tudo que é vivo, o oceano possui memória, atenção e antecipação: é a memória da origem da vida e dos mitos, é atento e reage às interferências da ação humana e antecipa futuros pós-naufrágio.

A exposição se ergue em torno dos eixos memória, atenção e antecipação, propondo um diálogo entre a inteligência humana e a inteligência oceânica. Como explica Clarice Lispector, somos “seres concomitantes”, reunimos em nós o passado, o presente e o futuro. Assim, a intenção não é tratar os temas de forma linear, mas sim meândrica, espiralar. Isso é feito combinando leituras e interpretações da ciência moderna com narrativas ancestrais de origem, usando arte e tecnologia. A expectativa é de restaurar a nossa relação com o oceano, relembrando que viemos dele, somos feitos dele, e que precisamos navegá-lo para dar origem a novos amanhãs. Assim, a exposição, mais que ensinar, nos faz sentir intimidade, respeito e familiaridade pelo oceano.

Fabio Scarano

Curador do Museu do Amanhã

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Exposição OCEANO - Textos na íntegra em português.pdf