INTRO

2 UM MUSEU SINGULAR
EM BUSCA DE UM FUTURO PLURAL

Estamos todos familiarizados com a imagem da linha do tempo, pelo menos da forma como geralmente é apresentada nos livros de história, em enciclopédias ou revistas. Ao longo dela desfilam, bem-comportados, os grandes acontecimentos e seus personagens mais célebres, as invenções e os gênios que as criaram. Por essa linha, reta como uma ferrovia, tudo o que o futuro tem a fazer é avançar – inexorável e veloz como uma locomotiva, esse símbolo convencional do progresso na imaginação do século XIX. Nada mais reconfortante do que a imagem do futuro como um ponto em algum lugar à frente, imóvel, à nossa espera para se tornar realidade. Reconfortante – e ilusório. O tempo, é claro, não é uma linha reta. Tampouco o futuro é um ponto fixo: na verdade ele ainda não está em parte alguma. A ideia central sobre a qual se baseia a narrativa proposta pelo nosso museu é justamente a de que o amanhã é uma construção e de que essa construção começa hoje.

O Museu do Amanhã também tem, é verdade, sua linha do tempo, mas o conjunto de experiências e vivências que oferece compõe um trajeto tortuoso como a realidade, imprevisível como a vida. A linha da reflexão que propomos ao visitante pode ser tudo, menos reta. Nas voltas que ela dá, percorre, sinuosa, o passado, o presente e mais de um futuro possível. Desce ao fundo dos oceanos e se eleva até as nuvens, explorando as transformações no nosso clima; penetra entre matérias concretas, como as estruturas do DNA e os circuitos dos dispositivos eletrônicos, mas também contorna e envolve entidades inefáveis, como sentimentos e preconceitos, medos e esperanças, emoções e premonições.

A visão convencional a respeito do tempo não deixa de estar atrelada a uma visão igualmente superada da ciência. A revolução científica, desencadeada pelas teorizações audaciosas de um Einstein ou de um Bohr, teve início no começo do século XX. Desde então, experimentos decisivos e observações demolidoras acabaram por implodir os fundamentos dos paradigmas clássicos. Apesar disso, as consequências dessa revolução iniciada há um século ainda não se fizeram sentir na imagem que a maioria das pessoas faz da ciência.

A visão de uma ciência como um conjunto de verdades acabadas só aos poucos dá lugar à compreensão de que ela somente pode aspirar a saberes transitórios, sempre sujeitos à superação e à renovação. As respostas são sempre parciais. Encaixar a última peça do quebra-cabeça é ao mesmo tempo recortar um novo conjunto de peças.

Para propor uma nova visão a respeito do tempo e do amanhã, assim como para estimular outra maneira de encarar a ciência, nada mais apropriado do que um novo tipo de museu. O Museu do Amanhã foi idealizado como parte e – mais do que isso – como a âncora de um amplo projeto de revitalização da área portuária do Rio de Janeiro, o mais ambicioso plano de intervenção urbanística nos últimos cinquenta anos da cidade. A proposta inicial, mais modesta, de criar um museu voltado para a questão da sustentabilidade, instalado em dois dos antigos armazéns do porto, acabou ganhando nova dimensão com a decisão de encomendar ao espanhol Santiago Calatrava um projeto arquitetônico arrojado, que funcionasse como um ícone da renovação a ser vivida por toda a área. A ousadia do Museu do Amanhã, contudo, não se limita às suas linhas arquitetônicas. Seu objetivo passou a ser explorar a ideia de que o amanhã não é uma data no calendário, nem uma fatalidade, tampouco um lugar aonde vamos chegar: o amanhã está sempre em produção.

OBSERVATÓRIO DO AMANHÃ

O tempo, como disse o poeta, não para. E o nosso museu também não. Como um organismo que pretende estar não apenas vivo mas alerta, manteremos constantemente atualizado o conjunto de dados usado para elaborar os diferentes conteúdos apresentados ao público. Seja uma nova foto captada por satélite, ou os números mais recentes acerca da situação do Cerrado, ou um novo relatório da ONU sobre população, um setor específico do museu, chamado de Observatório do Amanhã, vai receber e filtrar esses dados para que a exposição permanente exiba informações atualizadas, rigorosas, expostas com clareza e articuladas entre si. Os recursos maciços de tecnologia da informação, compatíveis com as necessidades de um equipamento quase totalmente virtual, facilitam a absorção desse fluxo constante de dados, imagens, gráficos e números produzidos por entidades como a Nasa, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), o Instituto de Recursos Mundiais (WRI) e cerca de outras oitenta instituições em todo o mundo, com as quais o museu manterá uma colaboração formal e permanente.

Além de gerir essa massa de informações que alimentará as experiências expositivas do museu, o Observatório do Amanhã se destina a outras funções. Misto de centro de edições e núcleo de debates, o Observatório vai repercutir esse conteúdo, promovendo a aproximação de diferentes setores da academia e da sociedade para discutir sobretudo temas pertinentes a dois eixos éticos do museu: sustentabilidade e convivência.

Os usuários poderão se filiar ao Observatório para realizar pesquisas, interagir com os dados por meio de análises e simulações, usar espaços para reuniões e participar, até mesmo a distância, dos seminários e ciclos de palestras realizados em nosso auditório.

Inscrito numa tradição recente de museus experienciais, que apostam na interatividade – como no Brasil já fazem o Museu do Futebol ou o Museu da Língua Portuguesa, ambos em São Paulo –, ele também guarda uma afinidade com a geração de museus de ciência que se espalhou pelo mundo nas últimas duas ou três décadas. Se a primeira geração de museus de ciência natural trabalhava com um acervo físico, constituído de relíquias, fósseis, fragmentos e artefatos, num momento seguinte a intenção deixou de ser apenas oferecer informação ao visitante ou mesmo a mera fruição de um acervo, como acontece nos museus clássicos de belas-artes. Os museus de ciência passaram então a tentar demonstrar de que modo as coisas funcionavam. Quais são as leis da natureza? Como os corpos caem? Como as correntes elétricas acendem lâmpadas? Museus demonstrativos, eles se propõem a apresentar os fenômenos e a explicar as regras pelas quais se desenvolvem.

Nessa caminhada, o Museu do Amanhã pretende dar um passo adiante, indo além da contemplação e da interatividade. Nosso objetivo foi criar um museu de ciência aplicada. Mais do que apenas mostrar como a ciência funciona, como os cientistas trabalham, elaboram as leis, fazem suas descobertas, nosso objetivo é usar os recursos que a ciência desenvolveu nos últimos tempos para convidar o visitante a explorar caminhos possíveis para o futuro.

Se os antigos museus de ciências naturais eram organizados em torno de uma coleção de objetos e espécimes mortos, o acervo essencial do Museu do Amanhã é composto de possibilidades. Antes, vestígios do passado; agora, futuros possíveis. Nesse sentido, trata-se de um museu totalmente original. Do seu conceito se destacam duas características complementares. Além de oferecer uma experiência inteiramente imaterial, que são os amanhãs possíveis, é também um museu claramente engajado com uma figura do tempo: a figura do amanhã.

Para dar conta de uma ciência que é um conjunto de saberes transitórios em constante transformação e poder sondar um amanhã composto de futuros possíveis, é vital que os conteúdos do museu sejam continuamente atualizados. Suas prospecções, previsões e estimativas, nos diferentes campos da natureza e da atividade humana, serão atualizadas sempre na perspectiva dos cinquenta anos seguintes. Daí, portanto, a opção por tornar o museu inteiramente digital, de forma a poder proporcionar ao visitante a vivência de algo que é imaterial, algo que está no campo dos possíveis. Com exceção de alguns poucos objetos físicos, tudo o mais no museu é virtual.

O fundamento conceitual do museu é o entendimento de que o amanhã não é o futuro. Pois se o futuro é alguma coisa que estaria lá, que já estaria lá, o amanhã está aqui, e está sempre acontecendo. E essa construção vai ser feita pelo visitante, pelas pessoas, pelos cidadãos, enquanto cariocas, enquanto brasileiros, enquanto integrantes da espécie humana.

O objetivo é construir uma sequência de experiências nas quais o visitante possa, pouco a pouco, ir adquirindo os meios, os recursos para vivenciar as possibilidades do amanhã que se abrem hoje. O que o museu no fundo pretende oferecer é uma experiência de causalidades. Para falar do futuro em outros termos, convém recorrer não à linha reta, mas à imagem do labirinto, tão cara ao escritor argentino Jorge Luis Borges. Para o autor do conto “O jardim dos caminhos que se bifurcam”, longe de ser uma armadilha espacial que não leva a parte alguma, o labirinto tem sua unidade fundamental na encruzilhada. Diante dela, que caminhos tomar? Que portas abrir? A escolha é imponderável. A cada caminho seguido ou porta aberta, o dado do acaso rola sobre a mesa da necessidade. Um labirinto é uma matriz de futuros.

Para nos guiar nesse labirinto, dispomos de algo mais do que o simples acaso: a ciência aplicada nos oferece recursos para sabermos que a cada decisão que tomarmos corresponderá uma consequência. E esta, por sua vez, lançará sua sombra sobre nós e sobre as próximas gerações. Se optarmos por determinadas ações, certos cenários se tornarão mais prováveis. Se ações diferentes forem empreendidas, outros amanhãs serão favorecidos. Nossa antiga linha reta, tornada sinuosa como um rio, a partir de um único “hoje” se desdobra em cursos menores, formando um delta de amanhãs possíveis. É essa a figura que o museu pretende explorar.

Para tanto, constituímos uma narrativa envolvendo diferentes dimensões. Optamos por fazer com que cada um dos momentos dessa jornada fosse encarnado por museografia, ambientação e recursos específicos. Ou seja, num total de cinco áreas, cada uma delas conforma certo tipo de vivência espacial, ou de compartilhamento, de movimentação e percurso. Essa exposição principal do museu, uma jornada composta por diferentes etapas, se adapta ao espaço concebido por Calatrava, equivalente ao de uma grande nave de catedral. Os cinco momentos dessa jornada de visitação coincidem aproximadamente com as ambiências definidas pelas conformações do teto da construção.

Há duas formas mais diretas de conceber as etapas da visitação. Uma delas consiste em associar as dimensões a figuras do tempo. E a outra, em associá-las a perguntas. Todos os conteúdos do museu, sintetizados em mais de cinquenta experiências diferentes, concatenadas e distribuídas nessas cinco áreas, pretendem encarnar grandes perguntas que a humanidade sempre se fez. A ideia é que o visitante explore essa sequência de perguntas.

Na primeira etapa, a qual chamamos “Cosmos”, a pergunta a ser proposta é “De onde viemos?”. E a figura do tempo é o “Sempre”. Em seguida vem “Terra”, que busca provocar a questão “Quem somos?”, evocando a figura de tempo “Ontem”. No espaço a que demos o nome de “Antropoceno”, a pergunta é “Onde estamos?”, e a unidade temporal é o “Hoje”. No espaço do “Amanhãs”, procuramos explorar a pergunta “Para onde vamos?”. Finalmente, o percurso se encerra no espaço do “Nós”, no qual vigora a questão "Como queremos ir?", ou seja, com que valores pretendemos seguir adiante?

Nosso objetivo é que as pessoas sejam arrebatadas da sua vivência cotidiana, dos seus modos habituais de pensar, dos seus lugares-comuns para experimentar alguma coisa que não encontram em casa, na rua ou na internet. Algo diferente, que vão vivenciar apenas aqui. Os conteúdos são transmitidos através de experiências, como uma das oferecidas na primeira etapa, aquela que gira em torno da pergunta “De onde viemos?”. Nela, o visitante se verá imerso na projeção em um domo com 360 graus, percorrendo galáxias, o coração dos átomos e o interior do Sol. Assistirá à formação da Terra, ao desenvolvimento da vida e do pensamento, manifestado pela arte. A ideia é que o visitante possa apreender dimensões da nossa existência natural que não estamos acostumados a vivenciar sem recorrer a instrumentos científicos. Do micro ao macro, das dimensões astronômicas às dimensões subatômicas. Trata-se de uma experiência sensorial, poética, motivadora, que nos prepara para ver o Cosmos como uma totalidade evolutiva, que em muito nos ultrapassa, nos abrange e nos constitui.

DA ÍRIS AO CÉREBRO

Ao entrar no Museu do Amanhã, cada visitante receberá um cartão dotado de chip. Com ele poderá se identificar fornecendo seu e-mail e, se quiser, seu nome. Ao se conectar num dos postos de interação distribuídos ao longo de toda a nave principal, ele estará entrando em contato com a ÍRIS, um programa que personifica o conteúdo gerado pelo conjunto dos consultores que contribuíram para o museu e que tem a capacidade de identificar e dialogar com cada um dos visitantes. Ao se conectar numa outra visita ao museu, a ÍRIS saberá, por exemplo, em quais setores ou áreas a pessoa esteve da última vez, ou de quais atividades participou, podendo então sugerir novos roteiros de exploração ou indicar conteúdos que poderiam ser acessados na nova visita. A ÍRIS também poderá fornecer informações ou atualizações de dados aos visitantes pela internet.

A ÍRIS faz parte do sistema do museu, ao qual foi dado o nome de CÉREBRO, que é capaz de armazenar, permitir análise e distribuir a massa de informações associada aos conteúdos expostos. Ele tem entre suas múltiplas funções paralelas a de registrar os fluxos de visitação. O software desenvolvido permitirá determinar em tempo real os conteúdos mais acessados e as características dos visitantes. É como se dessa forma o museu tivesse a capacidade de acompanhar um pouco de seu próprio metabolismo, contando com uma imagem de si mesmo em funcionamento.

O segundo momento é o da Terra, associado à pergunta “Quem somos?” e também à dimensão do “Ontem”. As experiências, informações e vivências nesse espaço nos colocarão diante da constatação de que somos terráqueos. Somos sínteses ou combinações de matéria, vida e pensamento, representados nessa etapa por três grandes cubos. Longe de serem estanques, essas três dimensões atuam umas sobre as outras. E a singularidade é que o pensamento tem a capacidade de refletir sobre as suas bases orgânicas, investigar seus suportes materiais, abranger o próprio Cosmos de onde viemos. Sabemos hoje que somos parte do Cosmos, e exatamente por isso ele também é parte de nós.

Todos os cubos terão um conteúdo externo e um interno. No Matéria, por exemplo, pelo lado de fora o visitante terá uma visão unificada da Terra, tal como a avistou o cosmonauta russo Iuri Gagarin. Ela não será apresentada fragmentada em países ou continentes, mas na perspectiva de um único astro. Nessa experiência, o visitante verá cerca de cento e oitenta fotografias da Terra em grande ampliação. E no interior do cubo se familiarizará com os diferentes ritmos que marcam o funcionamento material do planeta. Diferentes fluxos batizados por nós, em termos metafóricos, como “oceanos”. O movimento muito lento das placas tectônicas – de alguns centímetros por ano –, o movimento mais rápido das correntes marinhas, de dezenas de quilômetros por hora, o movimento bem mais veloz dos ventos pelos ares e o movimento rapidíssimo da luz do Sol. Esses quatro ritmos se associam para produzir um novo, que é o ritmo do clima, da sucessão das estações.

A seguir, temos o cubo da Vida, cuja “pele” remete ao suporte bioquímico do código básico que preside a composição e o desenvolvimento de todos os seres vivos, o DNA; já o interior apresenta a imensa variedade dos organismos, que se relacionam de múltiplos modos e se integram formando ecossistemas. Apresentaremos o ecossistema da baía de Guanabara, onde o museu se localiza, em seus variados estratos, do topo da serra dos Órgãos aos manguezais da orla, e também exibiremos o ecossistema microbiano de que cada um de nós é portador, e do qual nossa saúde depende.

O terceiro cubo, enfim, apresenta a dimensão do Pensamento. No exterior, temos mais uma vez um elemento unificador: nosso sistema nervoso, que é essencialmente o mesmo em todos os seres humanos. Dessa identidade fundamental, no entanto, resulta a incrível diversidade das culturas, ilustrada por centenas de imagens que retratam diferentes aspectos de nossa vida, sentimentos e ações – como habitamos, celebramos, conflitamos, pertencemos.

A etapa seguinte é o momento central: tanto espacialmente, já que se encontra bem no meio do itinerário, como em termos conceituais, pois discute nossa condição e a do planeta. Antropoceno é um termo formulado por Paul Crutzen, Prêmio Nobel de Química de 1995. O prefixo grego “antropo” significa homem, humano; e o sufixo “ceno” denota as eras geológicas. Este é, portanto, o momento em que nos encontramos: a Era dos Humanos. Aquela em que o Homo Sapiens constata que a civilização se tornou uma força de alcance planetário e de duração e abrangência geológicas. Num processo muito rápido, passamos de poucos milhares de indivíduos, há cerca de 70 mil anos, quando começamos a nos disseminar pelo planeta, para 7 bilhões de pessoas. Do ponto de vista biológico, trata-se de um crescimento equivalente ao de uma colônia de bactérias: um ritmo extremamente explosivo, num prazo muito curto. Nós nos planetarizamos: não existe hoje uma região sequer que não seja afetada direta ou indiretamente pelo conjunto da atividade humana. A pergunta a ser explorada é: “Onde estamos?”, e o tempo é o “Hoje”.

Para marcarmos fisicamente essa consciência acerca deste “hoje”, erguemos algo como um grande monumento, que teve sua inspiração nos menires de Stonehenge, na Inglaterra. Com isso queremos chamar a atenção para as consequências da atividade humana. São seis menires, de dez metros de altura por 3,5 metros de largura, cobertos de luz. Foi a maneira plástica que encontramos para anunciar, sem deixar margem a dúvidas: é aqui que nos encontramos, no Antropoceno. Em quatro desses menires temos cavernas, onde o visitante pode explorar e buscar mais informações, mais evidências sobre o quadro da planetarização, uma maior compreensão que temos hoje a respeito desse processo. Essa é a experiência central do Museu do Amanhã.

Se levarmos em conta que em um único século mudamos o padrão de sedimentação de todas as bacias hidrográficas do mundo, em todos os continentes; que mudamos a composição da atmosfera, porque estamos há três séculos consumindo combustíveis fósseis numa espécie de incêndio contínuo; que estamos interferindo drasticamente na distribuição da vida, nos biomas da Terra; que estamos mudando os regimes do clima... Levando tudo isso em conta, os geólogos do futuro que examinarem nossa época encontrarão vestígios e evidências de que um novo agente ganhou alcance planetário e afetou a Terra nesse período geológico. Esse agente é a humanidade.

Daí a força do termo Antropoceno: ele assinala que estamos numa nova era geológica, a era em que a ação humana afeta todos os domínios do planeta. E, é claro, afeta a continuidade da própria humanidade. É o momento em que as ações humanas necessariamente trazem consequências para seu próprio autor. Isso é característico de certo tipo de sistema natural, a que chamamos sistemas complexos. Seu comportamento é não linear porque as ações desencadeadas por esse agente recaem sobre ele próprio e modificam sua própria natureza.

Doravante não viveremos mais no planeta em que nossos ancestrais viveram. Ao longo de eras inteiras, a Terra esteve congelada; em outras, ficou infernalmente quente. Houve então diversos momentos em que a Terra foi um ambiente muito pouco propício a abrigar uma civilização. Nos últimos 15 mil anos, ao contrário, depois do último degelo, a Terra tem sido um planeta muito acolhedor. Contudo, viveremos num planeta diferente, profundamente modificado por nossas próprias ações. Esse é o entendimento decisivo que o museu pretende oferecer aos seus visitantes. Essa compreensão, que marca o “Hoje”, vai moldar as alternativas que se encontram diante da humanidade.

LINGUAGENS PARA TODOS OS PÚBLICOS

Fazer com que as novas gerações comecem a repensar sua relação com o tempo e com o planeta é um dos grandes desafios do Museu do Amanhã. As crianças, mesmo aquelas não totalmente familiarizadas com a escrita, constituem hoje parte importante do público dos museus em todo o mundo. Trabalhando com conteúdos de variados níveis de complexidade e sem pretender abrir mão da qualidade da informação, o museu decidiu complementar o percurso proposto com uma série de atividades e vivências.

Os “Amanhãs” são o momento seguinte da jornada, definido pela pergunta “Para onde vamos?”. As simulações, estimativas e projeções associadas a essa etapa estão dispostas num origami. Nele estão demarcadas três áreas, apresentando seis tendências que vão moldar o futuro nas próximas décadas. As áreas demarcadas dizem respeito ao conviver (sociedade), ao viver (planeta) e ao ser (pessoa). As seis tendências são as mudanças no clima, a respeito das quais não existe mais dúvida; o aumento da população mundial em cerca de 3 bilhões de pessoas nos próximos cinquenta anos; a integração e diferenciação dos povos, regiões e pessoas; a alteração dos biomas; o aumento do número, da capacidade e da variedade dos artefatos por nós produzidos; e, por último, a tendência à expansão do conhecimento.

Cada uma dessas tendências promete alterar profundamente nossa vida no seu sentido mais cotidiano, confrontando-nos sempre com questões políticas e escolhas éticas. A esmagadora maioria desses novos 3 bilhões de habitantes do planeta virá se somar à população do cinturão tropical, onde se encontram os países mais pobres do globo. Ao lado da questão ambiental, a desigualdade será um dos grandes desafios que a humanidade deverá enfrentar conjuntamente. Além de mais numerosos, seremos também mais longevos: num fato biológico decisivo, a cada cinco anos ao longo do século XX ganhamos um ano de expectativa de vida. Em um século, ganhamos 25 anos. Contar com avós presentes e ativos na família é hoje algo banal, mas na maior parte da história da humanidade foram figuras raras. Essa extensão da longevidade, e o grande número de idosos a que corresponde, vai nos obrigar a encarar uma nova realidade no que se refere ao mercado de trabalho, e todo o entendimento de como organizar nossa vida produtiva terá de ser modificado.

As outras tendências nos confrontarão com dilemas igualmente desafiadores. Se num mundo cada vez mais interligado estão estabelecidas hoje as condições para o surgimento de uma cultura planetária, urbanizada, estruturada em torno de megacidades, esse contexto, por outro lado, levará provavelmente a uma reação dos que vão preferir se recolher à própria cultura. Como administrar essas tensões? Como gerir cidades de 40 milhões de habitantes ou mais? Os impactos sobre os biomas também exercerão sobre a economia efeitos que mal começamos a avaliar. A atual tendência à miniaturização dos componentes eletrônicos é irreversível: por exemplo, os circuitos dos dispositivos que hoje carregamos no bolso brevemente poderão ser tatuados na nossa pele – já há quem tenha patenteado a ideia – e seus chips integrados diretamente ao nosso sistema nervoso. E a aquisição de conhecimento descreve hoje uma curva aceleradíssima: a quantidade de dados de que dispomos sobre vários campos do conhecimento vem tendo um acúmulo exponencial. Os especialistas avaliam, por exemplo, que a cada três anos, aproximadamente, dobra a quantidade de dados disponíveis sobre química.

Com base nessas tendências, os visitantes poderão visualizar diferentes cenários futuros, cada um deles sendo a provável conse­quência de um determinado curso de ação que estivermos adotando hoje. Nossa opção ao traçar o quadro de perspectivas possíveis foi por adotar uma postura realista, evitando tanto um otimismo ingênuo como uma visão catastrofista, que tornaria irrelevante a intervenção humana. Ao contrário, acreditamos que – em meio a essa vasta teia formada por causas e consequências – existem alternativas, diversas e abertas, e que estas podem ser vislumbradas a partir das contribuições dos especialistas que colaboraram para o conteúdo apresentado pelo museu.

Sem esquecer que nosso personagem central é a humanidade, procuramos apresentar essas alternativas e possibilidades numa perspectiva histórica através de jogos, entre eles o Jogo das Civilizações, baseado num modelo estudado pela Nasa. Examinando exemplos do passado, como as experiências da civilização Han, na China, os maias ou os vikings, é possível interpretar a evolução das civilizações a partir de variáveis como o consumo dos recursos, o tamanho da população e a desigualdade. No jogo, temos o poder de controlar certos parâmetros para assim fazer uma civilização perseverar ou definhar.

LABORATÓRIO DE ATIVIDADES DO AMANHÃ

Plataforma de experimentação transdisciplinar e exibição de projetos inovadores.

O Museu do Amanhã tem uma área especialmente dedicada à inovação e à experimentação: o Laboratório de Atividades do Amanhã (LAA). Sua missão é contribuir para que o museu seja vivo, em processo de permanente reinvenção. Espaço de encontros transdisciplinares de arte, ciência e tecnologia, o LAA valoriza a introdução e a adoção de novas ferramentas, novos processos e inovações de ideias e iniciativas. Provoca o público a deixar de ser simplesmente consumidor para se tornar criador: como seres capazes de produzir protótipos de soluções de impacto para sua vida e para o mundo, e assim inventar futuros possíveis. Lançando uma ponte entre o pensar e o fazer, entre o imaginar e o realizar, o Laboratório de Atividades do Amanhã explora oportunidades e desafios em um universo com mudanças contínuas e cada vez mais acentuadas.

Composto por um espaço voltado para produção e experimentação coletiva, que conta com variados recursos e equipamentos de apoio à criação, e por um ambiente para exposições, apresentação de projetos e exibição de protótipos, o LAA também apropria-se de locais dentro e fora do museu como desdobramentos expandidos de sua programação.

O empreendedorismo, o impacto das “tecnologias exponenciais” – como inteligência artificial, internet das coisas, robótica, genômica, impressão 3D, nano e biotecnologia – e a exploração de cenários futuros são os temas centrais do LAA. Sua atuação se dá em quatro frentes: educação (cursos e oficinas), atividades (chamadas criativas e projetos de ‘ciência cidadã’, entre outras), programa de residência criativa e exposições.

A última etapa do trajeto é a do “Nós”, estruturada em torno do ambiente de uma oca, que simboliza uma casa do conhecimento indígena, em que os membros das famílias e clãs da tribo vêm se reunir e os mais antigos repetem para os mais novos as lendas, as narrativas, as histórias que compõem o fundamento de sua cultura. Depois de vivenciarmos a imensidão e a variedade do Cosmos, das informações e expe­riências em torno dos dilemas que enfrentamos, é o momento de nos debruçarmos um pouco sobre nós mesmos para refletir sobre como queremos viver com o mundo – pela sustentabilidade – e com os outros – pela convivência. Aqui a ênfase não é na informação, mas sim nos valores que oferecemos à ponderação do visitante.

Seja bem-vindo a essa jornada da ciência, das experiências, das possibilidades. E lembre: em algum lugar, neste justo momento, já está amanhecendo. O amanhecer sempre volta, é sempre o mesmo, mas a cada vez é sempre diferente.

O amanhã começa hoje

É neste espaço também que o visitante encontra um dos poucos objetos físicos integrantes do acervo do museu: um churinga. Esse artefato dos aborí­gines australianos, de aparência, para nós, enigmática, é, na verdade, uma ferramenta. Contudo, não serve para furar ou cortar: trata-se de um utensílio simbólico. Serve, para aquele povo, como uma ferramenta temporal, para associar o passado ao futuro. Ao morrer, um integrante da comunidade tem sua alma conservada no churinga, onde permanece até poder encarnar em outro membro do grupo. O churinga representa, assim, a própria continuidade do povo e de sua cultura. Por caminhos e acasos misteriosos, o esguio objeto de madeira lavrada deixou em algum momento o árido deserto australiano no século XIX para aterrissar no píer da praça Mauá, em pleno século XXI. Curiosamente, seu desenho básico é bastante semelhante à forma concebida pelo arquiteto Santiago Calatrava. Coincidência, destino, forma: tudo conspira, portanto, para fazer dele um símbolo mais do que apropriado para a missão a que se propõe o Museu do Amanhã: conectar no presente, o passado e o futuro.

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Alexandre Cherman