AMANHÃ

13 Cidades
conectadas:
a polinização
humana

As metáforas são inúmeras: as cidades como formigueiro, labirinto, fortaleza, um superorganismo, cérebro, rede de redes, caos… Enfim, elas são tudo isso ao mesmo tempo, mas no futuro precisarão ser, sobretudo, inteligentes.

As grandes cidades foram se organizando, ao longo da história, na forma de redes e sistemas cada vez mais complexos, como fruto de interconexão de pessoas, transações comerciais, tecnologias, informações. Elas são atravessadas por redes de comércio e transporte, de infraestrutura, máquinas, além de sistemas de energia elétrica e de comunicação. [1] Uma frase do historiador Lewis Mumford, em seu livro A cidade na história, nos lembra que os aglomerados urbanos não podem deixar de ser vistos como “uma estrutura especialmente equipada para armazenar e transmitir os bens da civilização”. [2] Mas esses bens só puderam ser produzidos porque as cidades se tornaram, nas palavras do cientista Steven Johnson, uma espécie de interface que permitiu aos indivíduos pôr suas inteligências em contato, num tipo de polinização cruzada. [3] Isso possibilitou não apenas o incremento do fluxo de ideias, mas igualmente a preservação daquelas que seriam essenciais ao desenvolvimento da civilização. Já no decorrer dos primeiros séculos das antigas populações urbanas é possível encontrar invenções que se mostraram cruciais ao desenvolvimento de nossa civilização, tais como o cultivo de grãos, o arado, a roda do oleiro, o veleiro, o tear, a metalurgia do cobre, a matemática abstrata, a observação astronômica, o calendário. As cidades armazenam e transmitem novas ideias para toda a população, assegurando que, uma vez inventadas, as novas tecnologias não desaparecerão.

Mas, se as cidades podem ser vistas como fonte de recursos e informação, também não deixam de ser um espaço privilegiado de moradia e convivência. Ocorre que os padrões atuais de crescimento econômico têm gerado um enorme descompasso entre a busca sempre crescente dos indivíduos por recursos e informação e, simultaneamente, a capacidade de toda a infraestrutura das cidades em suportar essa demanda.

Isso acaba por impactar as várias dimensões da vida e do meio ambiente. Os processos migratórios, o crescimento demográfico, a produção, a distribuição e o consumo de bens materiais industrializados e o de recursos naturais são fatores que afetam diretamente o equilíbrio das cidades. Junto a isso, o modelo de gestão das metrópoles, baseado em administrações centralizadas, tem sido o mesmo por séculos. Contudo, já é visível, sobretudo nas megalópoles, o esgotamento do modelo de governança que conhecemos, tal a complexidade atingida por esse superorganismo no início do século XXI e, com isso, os enormes desafios de gestão de todos os seus processos humanos e materiais.

As cidades evoluíram de estruturas simples para organismos complexos. Mas esses organismos, apesar de terem chegado ao final do século XX dispondo de um avançado “sistema nervoso” digital, representado pela informática e a internet, ainda não haviam alcançado a produção metafórica do “pensamento”. Isso significa que as cidades, no futuro próximo, não apenas serão capazes de armazenar e transmitir informações para sua população de indivíduos – suas “células” –, como também serão capazes de formar uma ideia a respeito de si mesmas, uma espécie de consciência de seu estado atual. As coisas, os lugares, a atmosfera, os transportes devem ganhar uma camada digital que passará a veicular informações a respeito da forma como as pessoas estão interagindo com tudo à sua volta, e de como cada uma dessas coisas pode trocar sinais para indicar sua situação presente. Com isso, elas devem precisar cada vez menos (mas não prescindir) de um sistema de gestão centralizado. Progressivamente, devem-se atingir níveis de autogestão dos vários processos que circulam por suas vias: alocação de recursos como água e energia, emissão de poluentes na atmosfera, de resíduos no meio ambiente, deslocamento de pessoas na cidade, logística de entrega de mercadorias. Ao mesmo tempo, os indivíduos poderão, por seu lado, estar cada vez mais conscientes dos efeitos de suas ações sobre a cidade como um todo. Eles conseguirão perceber os impactos causados por suas decisões pessoais em níveis ambientais, sociais e políticos.

Exemplos de cidades inteligentes já podem ser encontrados em alguns países. Um deles é New Songdo, projeto em andamento na Coreia do Sul. Hoje com 70 mil habitantes, nela o lixo das casas segue diretamente por uma rede de túneis subterrâneos para estações de tratamento. Os carros possuem chips conectados a uma central, que detecta se muitos farão percurso semelhante, e toma providências para evitar engarrafamentos. Outro exemplo de cidade inteligente é Dongtan, na China, país onde se prevê que em 2050 serão 1,12 bilhão de habitantes em áreas urbanas. Ela conta com energia renovável, transportes com emissão zero de carbono, tratamento e reciclagem da água, entre outras iniciativas sustentáveis. Um terceiro exemplo é Masdar City, em Abu Dhabi, cidade projetada para ser totalmente sustentável, com 100% de energia renovável, zero de emissão de carbono e um sistema de transporte elétrico que opera no subsolo.

O número de migrantes climáticos seria de pelo menos 200 milhões até 2050, podendo chegar a 700 milhões nos piores cenários. Se nada for feito, essa poderá ser a maior migração humana já registrada na história. Sem grandes investimentos em questões ligadas à migração, como moradia, educação e serviços de saúde, os problemas da integração dos migrantes em outros países serão mais agudos que hoje.

Mas se as visões de futuro apontam para cidades sustentáveis, com sistemas de autorregulação de seus processos espalhados por todo lado, com áreas verdes equilibrando os espaços construídos, enfim, com tudo que seria possível imaginar de inteligente para um espaço urbano, o que os vários relatórios de organizações internacionais nos mostram como previsão para a cidade de amanhã não segue essa direção.

Os fluxos migratórios que atingem as estruturas das cidades e, simultaneamente, as tornam multiculturais estão entre os fatores que mais devem contribuir para o aumento da complexidade das megalópoles. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) [4], o crescimento da população global esperado para 2050 deve alcançar cerca de 9,3 bilhões de pessoas, sendo que 97% desse aumento se encontra em países em desenvolvimento. Nesse mesmo ano, mais de 70% da população mundial estará vivendo em centros urbanos. Migrantes que cruzam fronteiras em busca de trabalho e de uma vida melhor podem exceder os 400 milhões, ou 7% da população atual do globo, até 2050. As informações constam de um relatório divulgado pela Organização Internacional para a Migração (IOM) [5], com sede em Genebra, que afirma ser esse aumento uma tendência inexorável e inevitável, com números crescentes de pessoas disputando poucos empregos em países em desenvolvimento e fugindo dos efeitos da mudança do clima.

Nesse último caso, um relatório da mesma instituição aponta que os movimentos populacionais já começaram e podem ser bem maiores do que se estimou originalmente. O número de migrantes climáticos seria de pelo menos 200 milhões até 2050, podendo chegar a 700 milhões nos piores cenários. Se nada for feito, essa poderá ser a maior migração humana já registrada na história. Sem grandes investimentos em questões ligadas à migração, como moradia, educação e serviços de saúde, os problemas da integração dos migrantes em outros países serão mais agudos que hoje.

Todo esse deslocamento humano, fruto de migrações resultantes de fatores os mais diversos, acaba por favorecer o crescimento das metrópoles rumo à formação de megarregiões, ou o surgimento da chamada “cidade sem fim”, fenômeno que parece irreversível na atualidade. Nos dias de hoje, mais da metade da população global vive em regiões urbanas. Como já apontado, em 2050 70% da população estará vivendo em zonas urbanizadas. Nessa tendência da cidade sem fim, de acordo com o relatório de 2010 da Agência para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat), intitulado “State of the World’s Cities” [6], as megacidades mundiais estão se fundindo para formar vastas “megarregiões” que podem se estender por centenas de quilômetros entre os países, acumulando mais de 100 milhões de pessoas. Tal fenômeno poderia ser um dos mais significativos em relação ao desenvolvimento – e aos problemas – da forma como as pessoas vão viver e as economias deverão crescer nos próximos 50 anos.

As maiores megarregiões, que estão na vanguarda da rápida urbanização que assola o mundo, são Hong Kong-Shenhzen-Guangzhou, na China, onde vivem cerca de 120 milhões de pessoas; Nagoya, Osaka-Quioto-Kobe, no Japão, que deve chegar a 60 milhões de pessoas em 2015; e Rio de Janeiro-São Paulo, região com 43 milhões de pessoas no Brasil. O crescimento das megarregiões e municípios está provocando uma inédita expansão urbana, com o surgimento de novas favelas, o desenvolvimento desequilibrado e a desigualdade de renda, já que mais e mais pessoas estão se mudando para cidades-satélites ou dormitórios. Esse fenômeno, decorrente das aglomerações urbanas, deve se acentuar nos próximos quarenta anos, já que a tendência da formação de megalópoles é considerada irreversível.

Por fim, é preciso ressaltar o complexo desdobramento cultural que o fluxo populacional, junto com a enorme expansão urbana prevista para as próximas décadas, trará consigo, possibilitando uma ampla interconexão cultural. Um relatório da Unesco sobre as tendências no século XXI aponta importantes aspectos que devem pesar na relação entre as diversas culturas do planeta. A intolerância, a xenofobia, o racismo e a discriminação voltam a aparecer, às vezes de forma violenta, até com genocídios, e são justificados em nome da pertença religiosa, nacional, cultural e linguística.

As maiores megarregiões, que estão na vanguarda da rápida urbanização que assola o mundo, são Hong Kong-Shenhzen-Guangzhou, na China, onde vivem cerca de 120 milhões de pessoas; Nagoya, Osaka-Quioto-Kobe, no Japão, que deve chegar a 60 milhões de pessoas em 2015; e Rio de Janeiro-São Paulo, região com 43 milhões de pessoas no Brasil.

O crescimento urbano, que deve envolver a maioria das megalópoles e das metrópoles em 2050, pode acarretar enormes impactos na vida urbana, no consumo de recursos e bens, mas também, do ponto de vista social, no acesso ao trabalho, na exclusão de minorias e nos direitos humanos. Nesses vários cenários para a vida urbana em 2050, devemos nos perguntar se caminhamos rumo ao choque ou à miscigenação cultural e étnica. Na cidade do amanhã, haverá hegemonia de uma cultura sobre as outras? Quer seja nas cidades inteligentes ou nos formigueiros humanos, devemos sempre nos perguntar se a cidade favorecerá o pluralismo cultural, o diálogo e o encontro entre as culturas.

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Alexandre Kalache
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