A idade Meghalayan | Museu do Amanhã

A idade Meghalayan: um passo à frente para o Antropoceno?

Observatório do Amanhã

Por Meghie Rodrigues*

No fim de julho, a comunidade de cientistas da Terra ficou em polvorosa: a União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS, na sigla em inglês) havia ratificado três subdivisões dentro do Holoceno, época geológica em que nos encontramos agora e que teve início há 11.700 anos.
 
Essa contagem de tempo da Terra, o tempo geológico - que vai de milhares a milhões e bilhões de anos - é bem diferente da nossa contagem de tempo histórico, que normalmente vai de anos a décadas e séculos. Afinal de contas, a escala de tempo para um corpo com 4,6 bilhões de anos tem que ser diferente da usada por uma espécie jovenzinha de pouco mais de 200 mil anos. Se esses 4,6 bilhões de anos da Terra coubessem em um ano, seria como se os nossos ascendentes Homo Sapiens tivessem aparecido na África no último segundo do dia 31 de dezembro. Não daria tempo nem de fazer a contagem regressiva para o ano seguinte.
 
Vale lembrar que o Holoceno está dentro de um período, o Quaternário, que, por sua vez, está dentro de uma era, a Cenozóica, que está dentro de um éon, o Fanerozóico. Esse sistema funciona para todas as outras épocas, períodos, eras e éons que a Terra já teve. É como se o tempo geológico fosse uma matrioska russa com várias bonequinhas, uma dentro da outra - uma para cada partição dessas.
 
A questão é que a menor destas matrioskas é justamente a Idade - e o Holoceno, nossa época corrente, ganhou três: o Greenlandian, o estágio mais antigo (iniciado 11.700 anos antes do ano 2000), o Northgrippian, estágio posterior (com início 8.236 anos antes de 2000) e a Meghalayan, idade mais recente, que teve início 4.250 anos antes de 2000. Ainda não existe nomenclatura em inglês para estes três termos.

Hipótese discutida na comunidade científica desde a década de 1990, a idade Meghalayan é baseada em sinais deixados em rochas provocados por uma seca global que teve início há cerca de 4200 anos. Ela leva este nome porque os registros utilizados pelos pesquisadores para bater o martelo sobre questão foram encontrados na caverna Mawmluh na região de Meghalaya, norte da Índia. Segundo lembram os pesquisadores Cleyton da Silva, Graciela Arbilla, Ricardo Soares e Wilson Machado, do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), registros de seca desta época aparecem em regiões dos trópicos na África e na América do Sul,k na América do Norte, Mediterrâneo e Oriente Médio, além do Sul da China e a região de Meghalaya, na Índia. 

Para entrar na tabela cronoestratigráfica dos geólogos - que seria para eles o que a tabela periódica é para os químicos - um registro que venha a caracterizar uma nova época, idade ou qualquer outra fase no tempo geológico precisa ser distribuído globalmente. A seca que caracteriza o Meghalayan, se tivesse ocorrido apenas no norte da Índia, não poderia ser considerada como uma mudança profunda no registro geológico. 

Há pesquisadores que dizem, no entanto, que esta seca não foi global nem fixa no período de tempo indicado. À revista Science, a paleoclimatóloga Jessica Tierney, da Universidade do Arizona em Tucson, Estados Unidos, disse que a Comissão Internacional de Estratigrafia (que decide sobre a tabela de tempo geológico - ICS na sigla em inglês) pode erroneamente ter juntado evidência de outras secas e períodos úmidos, separados talvez até por séculos do evento de 4.200 anos atrás, para demarcar o início da idade Meghalayan. Mas há pesquisadores que discordam e dizem que o marcador desta seca antiga é, de fato, sólido o bastante para ser considerado. 

A idade Meghalayan deve ficar na tabela geológica por pelo menos uma década, até que a ICS abra espaço para novas discussões sobre o assunto. E isto, segundo Silva e seus colegas da UFRJ, pode ser um passo à frente para a decisão sobre se o Antropoceno se torna finalmente um termo geológico ou não. No artigo que ele, Graciela Arbilla e colegas do Instituto de Química da UFRJ publicaram recentemente, “a subdivisão do Holoceno, incluindo a idade mais nova, a Meghalayan, foi definida por uma mudança climática/ambiental natural” na qual a ação humana não foi a causadora de tais mudanças. Ao contrário, dizem eles, a humanidade esteve sujeita a estas mudanças climáticas de 4.200 anos atrás. 

Esta subdivisão do Holoceno facilita ainda, dizem os pesquisadores, a descartar hipóteses que se discutia sobre um possível início do Antropoceno com o advento da agricultura, entre cinco e oito mil anos atrás. As forças por trás da idade Meghalayan (e das outras idades do Holoceno, nossa época corrente) seriam diferentes das que movem o Antropoceno - no caso, a atividade humana. 

Em 2020 é possível que saibamos o impacto que a abertura deste novo capítulo na história da Terra terá para o Antropoceno. Em março acontecerá a 36º Congresso Geológico Internacional em Nova Délhi, na Índia, e espera-se que a entrada do termo na tabela cronoestratigráfica finalmente aconteça. É esperar para ver!

Saiba mais: 

SILVA, M., ARBILLA, G., SOARES, R., MACHADO, W.: A nova idade Meghalayan: o que isto significa para a época do Antropoceno? (Revista Virtual de Química da UFRJ, agosto de 2018)

Anúncio da Comissão Estratigráfica Internacional sobre o lançamento da nova versão da tabela do tempo geológico (julho de 2018 - em inglês)

Nota com anúncio da União Internacional de Ciências Geológicas sobre a subdivisão do Holoceno (em inglês)

*Meghie Rodrigues é pesquisadora da diretoria de Desenvolvimento Científico do Museu do Amanhã e mestre em Divulgação Científica pelo Labjor-Unicamp. 
O Museu do Amanhã é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – IDG, e conta com patrocinadores e parcerias que garantem a manutenção e execução dos projetos e programas ao longo do ano. O projeto é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, concebido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo.