Itatiaia: há oito décadas ecoando o ‘conhecer para preservar’
Ricardo Soavinski*
O Parque Nacional de Itatiaia, localizado na Serra da Mantiqueira, entre os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, não surpreende apenas pela riqueza de uma Mata Atlântica de 28 mil hectares intacta. Ele é parte da história do Brasil. Foi o primeiro parque nacional criado por decreto do Presidente Getúlio Vargas, em 1937, completando 80 anos de existência em junho de 2017.
A sua criação tem um imenso significado. Assim, como o primeiro parque nacional criado no mundo, o Yellowstone, nos Estados Unidos (em 1872), a formação do Parque Nacional de Itatiaia marca o reconhecimento, por parte da sociedade, da necessidade de conservar grandes áreas naturais para a posteridade e proveito das gerações futuras. O estabelecimento de um parque revela a preocupação com o avanço das atividades econômicas sobre a natureza. Assim, não é casual que o primeiro parque brasileiro nasça na região Sudeste, próximo a áreas que vivenciaram o ciclo do café, no meio do caminho entre Rio de Janeiro e São Paulo, que começavam o seu processo de industrialização.
Muito frequentemente os parques são símbolos representativos de uma nação. O Parna de Itatiaia protege algumas das nossas maiores montanhas, e, por todo o Brasil, parques abrigam alguns dos mais importantes símbolos nacionais, como nossas caratas em Iguaçu, a floresta amazônica, o patrimônio arqueológico na Serra da Capivara. O Cristo Redentor, a atração mais visitada do Brasil, está localizado no Parque Nacional da Tijuca.
A criação de Itatiaia, demandada sobretudo pela comunidade científica, foi possível em função da promulgação, em 1934, do Código Florestal Brasileiro, primeiro instrumento legal que regulamentou as áreas protegidas no país. O Código representou um marco na legislação nacional ambiental, trazendo para o poder público o controle sobre a exploração dos recursos naturais. Com a norma, o governo federal deu os primeiros passos para a criação dos parques nacionais.
Mas o impulso mesmo veio com a publicação do Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiro, decreto de 21 de dezembro de 1979, que estabeleceu a obrigatoriedade da elaboração do zoneamento e do Plano de Manejo para as unidades. O resultado disso foi o grande número de parques nacionais criados nas décadas de 60 e 70. Entretanto, ao longo dos anos, o país acabou acumulando inúmeras legislações esparsas e a proliferação de várias tipologias de áreas protegidas. Graças a aprovação, no ano de 2000, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), foram unificadas as normas, e as unidades de conservação foram classificados em duas categorias: a de proteção integral e de uso sustentável, com vocação para a pesquisa, atividades voltadas à recreação e educação ambiental e ao turismo ecológico. Assim, as unidades de conservação passaram a ser espaços territoriais protegidos, destinados à conservação da biodiversidade e ao aproveitamento público.
Sete anos depois do SNUC, foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que completa 10 anos em 2017, com a missão de gestão das unidades de conservação e proteção da biodiversidade. Atualmente, cuidamos das 324 unidades de conservação (parques nacionais, floresta nacional, área de proteção ambiental, reserva extrativista e outras categorias) existentes no país. Isso corresponde a 80 milhões de hectares, o que equivalem a 9% do território nacional. É muita coisa para administrar. Não é simples, mas com dedicação, boa vontade, bons parceiros e boas estratégias, nós acreditamos que conseguiremos dar mais escala e atingir a implementação de um número muito maior de unidades em tempo menor e com qualidade.
A experiência com o Itatiaia mostra ainda o quanto é importante ter parques equipados e preparados para que as pessoas possam usufruir da natureza de forma sustentável. O Parque sempre foi aberto para o público, desde a sua criação. A beleza exuberante, a boa estrutura do local e uma equipe excelente (com uma rede de apoiadores como ONGs, universidades, empresas privadas) atraem mais de 10 mil visitantes todos os anos, que podem usufruir de caminhadas em trilhas bem demarcadas, de cachoeiras, mirantes, escaladas, atividades educativas e de um visual único.
Acreditamos que incentivar a visitação nos parques nacionais traduz em estímulo a uma cultura de conservação das áreas protegidas, afinal, a natureza faz bem às pessoas. A abertura das unidades é também importante para estimular o turismo e o desenvolvimento econômico local. Os nossos dados indicam que em 2016 a visitação nas unidades de conservação foi de 8,29 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo em que aumentam as visitações, ampliamos anualmente o número de unidade de conservação. Por isso, nossa meta é abrir para a visitação outras unidades, porém é necessário dotá-las de infraestrutura, para poder receber os visitantes com segurança, conforto e eficiência.
O ICMBio trilha o caminho de dotar as unidades de conservações de recursos suficientes à visitação. Já temos vários apoiadores, e queremos ampliar ainda mais trazendo mais gente para fazer conosco. Apostamos nas parcerias com o setor privado (via concessões) ou apoio de empresas (com doações ou patrocínio). Além de parceiros com Ongs, universidades, governos locais. Atualmente, temos parcerias com as pessoas individualmente como voluntários, que já contamos com cerca de 1.500 pessoas. No entanto, mais do que atingir milhões de visitantes, o que queremos é proporcionar bons serviços às pessoas. Somente assim, poderemos oferecer aos visitantes boas experiências de convívio com a natureza. Incentivando que a sociedade compreenda e valorize cada vez mais os parques e queiram conservá-los. Ganham a sociedade e a natureza.
*Ricardo Soavinski é presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)