Trinta anos do Protocolo de Montreal: a camada de ozônio a caminho da recuperação
Variação na concentração de ozônio em setembro de 1980 (esquerda) e setembro de 2016 (direita) mostra a recuperação da camada. Fonte: NASA
Magna Luduvice*
Gabriela Lira*
Em 1974, os ganhadores do Prêmio Nobel, Mario Molina e Sherwood Rowland, propuseram que a camada de ozônio sofria um processo de destruição provocado pela atividade humana. A redução da concentração de ozônio na estratosfera estava associada à emissão de substâncias químicas halogenadas, contendo átomos de cloro (Cl) ou bromo (Br), de longa permanência na alta atmosfera.
Preocupados com os possíveis impactos que poderiam ser causados com esse buraco na camada de ozônio, um conjunto de nações reuniu-se na Áustria, em 1985, e formalizou a chamada Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio. Já, em 1987, o Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio foi chancelado no Canadá.
Trinta anos depois, o Protocolo de Montreal carrega uma história de sucesso dentre os vários acordos multilaterais ambientais de que o Brasil é parte. Em 2009, esse acordo entrou para a história ao se tornar o primeiro tratado sobre meio ambiente universalmente ratificado por 197 países, unidos em prol de uma causa em comum: a proteção e a recuperação da camada de ozônio.
A camada de ozônio é uma região na alta estratosfera, onde há grande concentração de moléculas de ozônio (O3). Elas funcionam como uma barreira natural e essencial contra a incidência dos raios ultravioletas do tipo B (UV-B). Para os seres humanos, a exposição excessiva aos raios UV-B está associada à catarata, ao envelhecimento precoce, à supressão do sistema imunológico e ao desenvolvimento do câncer de pele. Os raios ultravioletas prejudicam ainda os estágios iniciais do desenvolvimento de peixes, camarões, caranguejos e outras formas de vida aquáticas e reduz a produtividade do fitoplâncton, podendo provocar desequilíbrios ambientais.
O Protocolo de Montreal vem ao longo das três décadas protegendo e recuperando a camada por meio da eliminação das substâncias destruidoras do ozônio. Elas estão divididas em sete famílias: clorofluorcarbonos (CFCs), hidroclorofluorcarbonos (HCFCs), halons, brometo de metila, tetracloreto de carbono (CTC), metilclorofórmio e hidrobromofluorcarbonos (HBFCs); e cada substância possui um valor específico de potencial de destruição do ozônio a ela atribuído. Em 2016, com a adoção da Emenda de Kigali, os hidrofluorcarbonos (HFCs) foram incluídos na cesta de substâncias controladas pelo Protocolo de Montreal. Apesar de não destruírem a camada de ozônio, os HFCs apresentam alto potencial de aquecimento global e seu consumo no mundo é resultado de sua aplicação como substância alternativa no processo histórico de eliminação de algumas substâncias controladas pelo Protocolo de Montreal, como os CFCs e os HCFCs.
Durante décadas, as substâncias destruidoras do ozônio têm sido utilizadas em diversos setores e aplicações, como na produção de espumas; na agricultura para desinfecção do solo (controle de pragas); em tratamentos quarentenários e de pré-embarque de mercadorias importadas e exportadas; em laboratórios; como matéria-prima de vários processos industriais; e na refrigeração doméstica, comercial, industrial e automotiva.
Sendo, historicamente, um dos principais consumidores dessas substâncias no mundo, o Brasil vem implementando medidas para sua eliminação desde a ratificação do Protocolo de Montreal pelo país, em 1990. Até 2012, mais de 200 projetos foram aprovados com recursos doados pelo Fundo Multilateral para implementação do Protocolo de Montreal, o que resultou na eliminação de 100% do consumo de CFC, brometo de metila (exceto para uso em quarentena e pré-embarque), halon e CTC, totalizando aproximadamente 11 mil toneladas de potencial de destruição do ozônio eliminadas no Brasil. Atualmente, o país está trabalhando para abolir gradualmente o consumo de mais uma dessas substâncias até 2040.
Os frutos das ações desenvolvidas no âmbito do Protocolo de Montreal pelo Brasil e pelos demais países vêm sendo colhidos: 98% do consumo mundial de substâncias destruidoras do ozônio já foi eliminado. Além disso, desde que se iniciou o monitoramento do ozônio estratosférico, foi identificada pela primeira vez, em 2016, a diminuição no tamanho do buraco da camada de ozônio sobre a Antártica, que, há décadas, apresentava um aumento gradual a cada nova medição.
Apesar da recomposição da camada, ainda há uma baixa concentração de ozônio na estratosfera, especialmente sobre o hemisfério sul no início da primavera. Isso mantém a importância do cuidado continuado para a proteção contra os raios solares, visto que a espessura reduzida da camada de ozônio ainda permite a incidência excessiva de raios UV-B danosos aos seres humanos. As ações de hoje visam a completa recuperação da camada de ozônio, em meados do século XXI, nos níveis identificados no início da década de 1980. A rara combinação de vontade política somada ao empenho dos setores produtivos e da comunidade científica e tecnológica transformou o Protocolo de Montreal em um modelo de cooperação para enfrentar os grandes desafios ambientais globais. A comemoração dos seus 30 anos de trabalho para a recuperação da camada de ozônio é também a comemoração de um modelo de política cujas ações atuais visam resultados de médio a longo prazo, em prol das presentes e futuras gerações.
*Magna Luduvice é Coordenadora Geral de Proteção da Camada de Ozônio no Ministério do Meio Ambiente. Atua há mais de 10 anos com o tema e é ponto focal para as ações de implementação do Protocolo de Montreal no Brasil.
*Gabriela Lira é Analista Ambiental do Ministério do Meio Ambiente e parte da equipe da Coordenação Geral de Proteção da Camada de Ozônio deste Ministério. Atua na implementação de projetos do Protocolo de Montreal no Brasil.