O fim da RENCA será um duro golpe ambiental para a Amazônia
Adalberto Luis Val*
Com área quase do tamanho da Dinamarca, a RENCA (Reserva Nacional do Cobre e Associados), tem 46 mil quilômetros quadrados entre os estados do Pará e Amapá. A Reserva foi criada pelo Governo federal em 1984 como forma de garantir a preservação dos bens minerais existentes por lá.
Ao longo do tempo, no entanto, invasões e garimpos ilegais se instalaram na região, em desrespeito ao decreto que protege a área, causando os impactos ambientais e sociais que frequentemente estão associados a esse tipo de atividade.
Recentemente, ao invés de coibir as ações ilegais, o governo brasileiro extinguiu a Reserva, escancarando a porta para o garimpo na região. Ocorre que a RENCA inclui ou faz interface com outras áreas protegidas que, evidentemente, foram assim consideradas por conta da importância ambiental que representam.
Assim, com uma possível extinção da RENCA, todas estas áreas estarão ameaçadas. É preciso levar em conta que a Amazônia não é um contínuo uniforme, tanto do ponto de vista ambiental quanto do biológico. A vida se distribui de forma heterogênea no espaço amazônico de forma que as diferentes regiões, mesmo em escala reduzida, são únicas.
No que se refere ao ambiente aquático, ainda que represente um volume de água sem paralelo no planeta, a situação não é diferente. Águas com diferentes características abrigam uma biota com características muito singulares. De pronto, muitos estudos mostram claramente que os peixes, por exemplo, são muito vulneráveis à presença de metais pesados; uma concentração de alguns poucos microgramas de cobre por litro é capaz de matar muitas espécies de peixes se eles não puderem fugir para outros ambientes. Os peixes que não morrerem vão acumular estes metais tóxicos em sua carne que, depois, ao ser consumida pelo homem, podem causar severos problemas de saúde.
Vários estudos demonstram a deterioração ambiental causada pelo garimpo em vários locais da Amazônia. A extinção da RENCA terá ainda diversos outros efeitos que precisam ser considerados caso a caso em contrapartida ao seu eventual retorno financeiro.
Entre esses efeitos destacam-se a migração de pessoas com aumento da densidade demográfica, contato com as populações indígenas das reservas locais, aumento do número de pessoas com doenças tropicais, aumento da violência e da violação dos direitos humanos, com exploração de crianças e jovens, aumento das taxas de desmatamento, ampliação das zonas de impacto ambiental, entre tantos outros efeitos.
A concentração de pessoas na região vai requerer os serviços básicos do Estado, como previstos pela constituição, que terão que ser custeados pela sociedade brasileira – entre os quais saúde, educação, comunicação, transporte e segurança.
Dessa forma, é muito provável que a extinção da RENCA não represente o desenvolvimento que se imagina. No papel tudo fica muito bonito!
É desejável que a sociedade brasileira possa usar os recursos naturais de nosso imenso território, mas é preciso que isso seja feito com cuidado, planejamento, e com base nos estudos já existentes. No caso em tela, os dados indicam a vulnerabilidade do ambiente e, por isso, é preciso reunir mais informações robustas para que uma eventual intervenção do porte que se desenha com a extinção da RENCA não represente um duro golpe ambiental e social para a Amazônia e para o povo brasileiro.
Adalberto Luis Val é doutor em Biologia de Água Doce pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) onde é pesquisador desde 1981 estudando peixes amazônicos, bioindicadores de qualidade ambiental e uso sustentável de recursos na Amazônia.