Três mitos sobre refugiados | Museu do Amanhã

Três mitos sobre refugiados

Observatório do Amanhã
Mulher segurando criança pequena no colo e um grupo de pessoas sentadas atrás

Carolina Moulin*
Mauricio Santoro*

 
Neste 20 de junho celebramos o Dia do Refugiado. Segundo a ONU, hoje há no mundo cerca de 65 milhões de pessoas que tiveram que deixar suas casas para fugir de perseguições ou graves violações de seus direitos humanos. É o maior número desde a Segunda Guerra Mundial. Com frequência, elas viram alvo de campanhas de ódio, medo e xenofobia, em um ambiente de desinformação alimentado pelas polêmicas fáceis das notícias falsas e das redes sociais. No Brasil, são três os mitos mais comuns sobre as populações refugiadas.

Mito 1: Refugiados são foragidos da lei - estão fugindo porque cometeram crimes ou fizeram algo de errado em seus países

Refugiados são pessoas que foram forçadas a deixar seus países por medo de perseguição por conta de sua religião, etnia, opiniões políticas, orientação sexual etc. São perseguidos, por exemplo, por grupos armados e, às vezes, por agentes do Estado, e seu país não é capaz de garantir sua proteção.  A fuga, portanto, não tem nenhuma relação com a prática de atos ilícitos. Na realidade, pessoas que tenham praticado crimes de guerra, por exemplo, estão expressamente excluídas do sistema de proteção garantido pelos tratados internacionais. O refúgio não é crime, é um direito.

Mito 2: Os verdadeiros refugiados vivem em campos. Os que estão por aqui são, de fato, imigrantes que vem para o país roubar nossos empregos
 
A grande maioria dos refugiados no mundo hoje vive em cidades. Os campos de refugiados, que têm muito espaço na mídia, surgiram como respostas emergenciais a grandes fluxos de deslocados, particularmente em contextos de precariedade e falta de estrutura nos países de acolhida. 

Em países como Jordânia e Quênia, muitos campos acabaram persistindo ao longo do tempo e se transformando, eles próprios, em novos espaços urbanos, com centenas de milhares de habitantes, economia e serviços próprios. Em cenários de grandes restrições à entrada e circulação de refugiados, o campo por vezes se transforma de resposta precária a uma solução quase permanente. 

No Brasil, a grande maioria dos refugiados vive nas cidades, onde concentram-se os serviços básicos e as oportunidades de acesso a uma integração adequada. Famílias refugiadas precisam aprender a língua, matricular crianças na escola, atender suas demandas de saúde e procurar emprego. 

O trabalho é um elemento fundamental da integração das populações refugiadas, mas, ao contrário dos imigrantes, não é a motivação central que está na origem do seu deslocamento – é o medo da perseguição e o risco à sua vida e liberdade. Ainda assim, precisam trabalhar para garantir seu sustento e de sua família. O direito ao trabalho é essencial para sua capacidade de permanecer no exterior. Muitos têm perfil empreendedor e acabam abrindo seus próprios negócios, gerando eles próprios empregos e oportunidades para a população local.

Mito 3: O Brasil está sendo invadido por refugiados, em um momento de recessão e desemprego alto. Vamos viver uma crise semelhante à da Europa

O Brasil reconhece em 2017 pouco mais de dez mil refugiados. Isso significa que os refugiados representam 0,005% da população brasileira! Países como Líbano e Turquia acolhem 1,5 milhão e 2,5 milhões de refugiados, respectivamente. No caso do Líbano, são 25% da população total. 

Difícil dizer que há, mesmo na Europa, uma crise de refugiados. Dos 65 milhões de deslocados, só 6% estão no continente. Ou seja, países mais pobres na Ásia e África, como Turquia, Líbano, Paquistão e Irã arcam desigualmente com grande parte (83%) do acolhimento e integração desses fluxos. Na Alemanha, por exemplo, o número de refugiados que entraram em 2016 era similar ao da Etiópia: cerca de 600 mil. 

Da mesma forma, se olharmos a progressão histórica, a população refugiada manteve-se relativamente estável como proporção da população total do globo, girando em torno de 0,3%. Logo, não há qualquer sustentação empírica para o argumento de uma ‘invasão’ de refugiados no Brasil ou na Europa.  Essa lógica nos diz mais sobre nossos medos e ansiedades acerca da presença dos refugiados do que da dinâmica propriamente dita dos fluxos de populações deslocadas.

História e reflexão

O mundo é um lugar perigoso. Parte importante desses temores estão atrelados ao surgimento – e persistência – de focos de tensão em guerras e conflitos armados de larga escala, com impactos graves para a população civil, como no Afeganistão, Iêmen, Nigéria, Síria e Sudão. Esse cenário conturbado tem impacto direto sobre a capacidade de vastos grupos populacionais permanecerem em seus territórios de origem e manterem uma condição de integridade física e socioeconômica. Muitas vezes, fugir é a única opção de sobrevivência.

Embora a existência de refugiados remonte à Antiguidade, no direito internacional o termo ‘refúgio’ foi criado somente no século XX, a partir das experiências traumáticas das guerras mundiais. A convenção da ONU sobre o tema é de 1951.  Seu objetivo: garantir uma estrutura internacional de proteção básica que permita a todos nós, em situações de fundado medo de perseguição, recorrer à acolhida de outro país. 

Contudo, refugiados enfrentam enormes desafios, para além da sua capacidade de sair dos territórios de guerra e perseguição. Não bastassem os riscos atrelados à fuga forçada de suas casas, muitos encontram barreiras para atravessar as fronteiras. Houve um crescimento expressivo do número de mortes nas travessias a que são expostos aqueles que sonham e lutam por sobreviver. A situação na Europa é exemplar dos riscos a que se submetem milhares de pessoas diariamente em sua busca por proteção. Só em 2016, mais de cinco mil pessoas morreram ou despareceram no Mar Mediterrâneo.

O reconhecimento da condição refugiada é, portanto, uma das mais importantes garantias humanitárias existentes no plano internacional. 

* Carolina Moulin é professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, onde é coordenadora do curso de pós-graduação em Relações Internacionais.

* Mauricio Santoro é professor adjunto do Departamento de Relações Internacionais da UERJ e integra o conselho consultivo do Nexus Fund – organização internacional com foco na prevenção de atos violentos em massa. 

O Museu do Amanhã é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – IDG, e conta com patrocinadores e parcerias que garantem a manutenção e execução dos projetos e programas ao longo do ano. O projeto é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, concebido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo.