Um mergulho em Saturno | Museu do Amanhã

Um mergulho em Saturno

Observatório do Amanhã
A silhueta de Saturno e dos seus anéis em imagem da feita pela Sonda Cassini /  Foto: NASA

Por Alexandre Cherman*

Era 1675 quando, na Inglaterra, o Observatório de Greenwich começou a ser construído. Do outro lado do Canal da Mancha, na França, o Observatório de Paris havia sido inaugurado há apenas quatro anos. Seu primeiro diretor foi um astrônomo italiano chamado Giovanni Cassini.

À frente do Observatório de Paris, Cassini se notabilizou por várias descobertas astronômicas, entre elas, quatro satélites de Saturno (que batizou coletivamente de Sidera Lodoicea, “estrelas de Luís”, em latim, uma homenagem ao rei francês Luís XIV). Mas talvez a descoberta mais famosa seja a que leva seu nome até hoje: a divisão de Cassini.

Os anéis de Saturno haviam sido descobertos por Christiaan Huygens, em 1655. Cassini passou a estudá-los com afinco e, 20 anos depois, percebeu que havia uma “falha” na estrutura. Uma grande faixa escura que denunciava a ausência de matéria. Interpretou aquilo como uma partição na estrutura, sugerindo a existência de não um, mas dois anéis. O espaço vazio entre eles ficou conhecido, desde então e até hoje, pelo seu sobrenome do astrônomo italiano.

Hoje sabemos que os anéis não são uma estrutura contínua. São, na verdade, milhões de objetos girando em uníssono, nos dando a ilusão de algo sólido. Mas ainda assim é evidente o espaço vazio que deixam, e que realmente parece, à distância, uma divisão entre anéis. 

Sabemos isso e muito mais sobre Saturno, suas luas e seus anéis. Esse conhecimento nos chega através de observações remotas, por grandes telescópios, e outras nem tanto. Sondas não tripuladas já visitaram os arredores de Saturno algumas vezes. A mais recente foi adequadamente batizada como uma homenagem aos dois cientistas aqui citados: Christiaan Huygens e Giovanni Cassini.

Lançada em 1997, a missão Cassini-Huygens foi especificamente projetada para estudar as vizinhanças do segundo maior planeta do Sistema Solar. Era composta por dois módulos: a sonda Cassini é o que chamamos de “orbitador”, projetada para se conectar gravitacionalmente a um corpo celeste e ficar dando voltas e mais voltas ao seu redor. O módulo Huygens era um “pousador”, especificamente construído para se desacoplar da nave e pousar em uma superfície. 

Confira o recurso interativo da Sonda Cassini

O conjunto entrou em órbita de Saturno em julho de 2004, e o módulo Huygens se desacoplou logo depois, no dia de Natal daquele mesmo ano. Em 14 de janeiro de 2005, o Huygens pousou com sucesso na superfície de Titã, maior lua de Saturno. Foi o primeiro pouso realizado por uma nave terrestre em um objeto do Sistema Solar Exterior!

Enquanto isso, a Cassini continuava a orbitar Saturno. Originalmente projetada para funcionar até 2008, ela atingiu seus objetivos com louvor. Entre outras informações, seus intrumentos e medições nos deram uma visão concreta da estrutura tridimensional do sistema de anéis, nos permitiram uma melhor compreensão da magnetosfera do planeta, nos proporcionaram um estudo do comportamento dinâmico da atmosfera de Saturno e permitiram um mapeamento detalhado da superfície de Titã. Além disso, a Missão Cassini descobriu sete novas luas orbitando aquele planeta.

Movida por baterias nucleares, a missão foi estendida até junho de 2010, para registrar a passagem de Saturno por seu equinócio, ponto de sua órbita em que cruza o plano do Sistema Solar. E, depois, uma nova extensão permitiu que observássemos Saturno em um de seus solstícios (o máximo afastamento do referido plano), agora em 2017. Esta extensão, de acordo com a página oficial da missão, proporcionou mais 155 voltas ao redor de Saturno, 54 voos sobre Titã e mais 11 voos sobre Encélado, outra lua de Saturno.

Mas uma hora a missão haveria de acabar. Em sua última aproximação com Titã, já neste ano, sua órbita foi afetada de tal maneira que a Cassini começou a se aproximar demais da atmosfera de Saturno. Mas isso não foi por acaso! O final da missão foi planejado, um “suicídio assistido” por engenheiros da NASA, para que a Cassini não sofra o risco de virar lixo espacial, orbitando inertemente um planeta distante. Não. A Cassini se despedirá de nós mergulhando bravamente rumo ao seu alvo, o planeta Saturno. Seu suspiro final, o término oficial da missão, acontecerá em 15 de setembro de 2017.

Será o fim da missão, mas não das novidades. Os dados coletados pela sonda ainda nos trarão muitas surpresas, analisados por equipes multidisciplinares de diferentes instituições ao redor do mundo. E quanto mais soubermos sobre Saturno, mais saberemos sobre o Sistema Solar como um todo. E quanto mais soubermos sobre o Sistema Solar, mais saberemos sobre nós mesmos.

Cassini, o astrônomo, ficaria orgulhoso...

*Alexandre Cherman é astrônomo, físico, além de Gerente de Astronomia da Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro e consultor do Museu do Amanhã. Tem experiência na área de Astronomia, Física e Matemática com ênfase em Astronomia Fundamental, Cronologia e Cosmologia, atuando principalmente nos seguintes temas: divulgação científica, cosmologia, educação, história da ciência, história da física e visualização científica. Possui seis livros publicados.  

O Museu do Amanhã é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – IDG, e conta com patrocinadores e parcerias que garantem a manutenção e execução dos projetos e programas ao longo do ano. O projeto é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, concebido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo.