Uma ação de educação ambiental que vale ouro
Por Tássia Biazon*
São cada vez mais frequentes as preocupações com o meio ambiente. Em diversos ecossistemas, interferências humanas prejudicam todas as formas de vida. Entre os biomas, o marinho vem sendo cada vez mais impactado com expressiva quantidade e diversidade de lixo contido em suas águas, podendo chegar a aproximadamente 10 milhões de toneladas por ano. Um problema mundial, e visível no Rio de Janeiro.
Além das medalhas, habilidades dos competidores, energia contagiantes dos torcedores e o dinamismo dos diversos tipos de esporte, uma atividade aberta ao público vem sendo desenvolvida na Cidade Maravilhosa desde o início das olimpíadas e continua ocorrendo durante as paralímpiadas: o projeto “EnTenda o Lixo”. Em sintonia com a reflexão do impacto do homem no planeta, a atividade aborda a saúde ambiental dos mares e oceanos.
Realizada pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e a Plastivida (Instituto Socioambiental dos Plásticos), o projeto conta com a parceria do Museu do Amanhã, Instituto Costa Brasilis, Ministério do Meio Ambiente e a Prefeitura do Rio de Janeiro, além do apoio cultural da Dow. Com caráter educativo, busca a conscientização da população sobre os caminhos que os resíduos sólidos percorrem até chegar ao mar, seus possíveis impactos, e principalmente, a importância de ações para solucionar esse problema, como a destinação correta dos resíduos (reciclar, reutilizar) e o consumo consciente (repensar, reduzir, recusar).
A atividade acontece em uma tenda, que funciona de terça a domingo, das 10h às 18h, no Largo São Francisco da Prainha, próximo ao Museu do Amanhã, no centro da cidade do Rio. Iniciada no dia quatro de agosto, seu término está previsto para o dia 17 de setembro, final das Paralimpíadas. No entanto, a bióloga e uma das coordenadoras do projeto, Márcia Denadai, revela que essa data não será o fim. “Pretende-se que a Tenda seja itinerante, viajando por diversas localidades no Brasil, banhadas por rios e mares, atendendo públicos diversos, sejam populações, pesquisadores, professores, dentre outros”.
De acordo a oceanógrafa Elisa Menck, que compõe a equipe do projeto, a iniciativa possui diversos valores. Em sua visão, além da conscientização sobre o uso exagerado dos recursos do planeta, informações científicas prestadas aos visitantes, mesmo na correria do dia a dia, promovem uma reflexão. Elisa destaca também a parceria entre a universidade e a indústria. “Houve um grande esforço para que a mesma linguagem fosse falada, possibilitando o desenvolvimento deste trabalho e buscando a consciência ambiental acima de outros eventuais interesses envolvidos”. E enfatiza: “no fundo, todos somos parte da solução”.
O professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador do projeto, Alexander Turra, afirma que o “EnTenda o Lixo” dá voz às pessoas: “Ele mostra às pessoas o que normalmente elas não veem nos resíduos coletados no mar e as leva a pensar esse problema sob um ponto de vista sobre o qual elas ainda não tiveram a oportunidade de refletir, como a sua solução. Para aquelas pessoas que já têm conhecimento sobre o tema, a ação dá a oportunidade delas mostrarem o que já fazem em relação ao lixo”.
O “EnTenda o Lixo” usa, como modelo para as discussões acerca da temática do lixo marinho, a Baía de Guanabara, alvo de muitos questionamentos em relação à sua poluição.
- A baía é objeto muito pertinente para discutirmos a saúde dos mares e oceanos e buscarmos soluções plausíveis em conjunto com todos os atores da sociedade, como governo, indústria, academia, ONGs, escolas e comunidade - afirma Lucas Barbosa, biólogo que compõe o projeto.
A interação do grupo com o público se dá de diferentes maneiras. Banners apresentam conteúdos compreensíveis. Diálogos são construídos entre os educadores e os ouvintes. Perguntas provocativas são direcionadas às pessoas: "Esse lixo é seu?", "Esse lixo é meu?" ou "Esse lixo é nosso?".
Lucas e Elisa destacam que outro elemento atrativo é o conjunto de gráficos a respeito das amostras de resíduos sólidos coletados, duas vezes ao dia, da Baía de Guanabara. Além disso, “o material retirado intriga e incentiva um debate com o público”, conta Lucas, criando o contexto para questionamentos como: Quais são as origens e os destinos do lixo? Quais seus efeitos e possíveis soluções?
A equipe também vem se esforçando para divulgar a atuação nas redes sociais, administrando uma página no Facebook. E ainda, por meio das parcerias, com a divulgação dos depoimentos produzidos pelo Instituto Costa Brasilis.
Entre os materiais recolhidos, possivelmente transportados pelo vento ou cursos d'água, muitos são de origem doméstica (inclusive esgoto) ou local. Já foram encontrados embalagens de bebidas (copo de guaraná), de alimentos e produtos de limpeza (margarina e sabão); absorventes e preservativos; pellets (matéria prima da indústria plástica); brinquedos; chinelo etc.
Contudo, as atividades desenvolvidas pelo projeto não possibilitam fazer um balanço sobre a situação atual da vida marinha na baía. “Para a avaliação dos efeitos dos resíduos sólidos à biota local seria necessário um monitoramento específico. Nesse sentido, o Observatório do Amanhã, ligado ao Museu do Amanhã, poderia buscar parcerias para estabelecer um programa de monitoramento do lixo e dos efeitos dos resíduos sobre os organismos marinhos da baía”, ressalta Márcia.
Antes do início dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, era esperado que 80% da baía estivesse despoluída, o que não aconteceu. Em suas águas, além da concentração de lixo doméstico, há muitos outros poluentes invisíveis – e até mais impactantes, como o esgoto e outras substâncias nocivas trazidas pelos rios, ou geradas pelas atividades industriais no entorno da região. Ou seja, o problema é ainda muito pior do que se vê.
Diante do tamanho dos mares e oceanos, as pessoas imaginam que o lixo tenda a desaparecer. Mas até em áreas mais remotas dos oceanos, aonde nem mesmo o homem chega, são encontradas zonas de acúmulo de lixo. Nesse contexto, o “EnTenda o Lixo” busca incutir práticas diárias mais saudáveis para que estes impactos sejam mitigados. “Estamos conseguindo atrair pessoas de variados setores da sociedade, como universidades, indústrias, órgãos do governo, ONGs e sociedade em geral, para discutir e propor políticas públicas e ações voltadas para a melhoria da qualidade dos mares e oceanos”, analisa Lucas.
Os desafios são muitos, mas fazem parte do processo, analisa o coordenador Alexander Turra. “Um processo como esse tem que ser construído com os parceiros e isso demanda tempo, investimento, diálogo… Não dá para fazer um projeto deste da noite para o dia, sem aprofundamento teórico, sem alinhamento institucional e sem apoio financeiro. Mas, principalmente, sem um claro entendimento de que essa iniciativa é parte de um processo amplo que tem que ser aprofundado e capilarizado na sociedade. Não estamos fazendo uma ação. Estamos construindo um processo que trará benefícios para a discussão sobre sustentabilidade, sobre o papel dos cidadãos e, mais especificamente, sobre a relação entre o ser humano e os oceanos”, finaliza.
*Tássia Oliveira Biazon é formada em Ciências Biológicas (bacharelado e licenciatura) pela Unesp Botucatu, com dupla diplomação pela Universidade de Coimbra, Portugal. Atualmente, é estudante de pós-graduação em Jornalismo Científico na Unicamp, onde é repórter na Revista ComCiência. Também desenvolve um projeto de divulgação científica do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), financiado pela bolsa Mídia Ciência da FAPESP, sob a orientação do Prof. Dr. Alexander Turra.