AMANHÃ

15 Aonde
nos levam
as rotas
tecnológicas
da energia?

Imagine o mundo com a população atual de 7,3 bilhões de pessoas, mas sem a diversidade de fontes de energia de que hoje dispomos. Se ainda vivêssemos na era do trabalho feito somente à base de nossos próprios músculos e do calor produzido pela queima de biomassa, por certo faltariam alimento e lenha para tanta gente; a expectativa de vida seria bem menor – a população não teria, provavelmente, o contingente de hoje; e nem de longe desfrutaríamos do conforto e da produtividade que a tecnologia nos oferece.

Todo o processo de desenvolvimento humano tem uma relação estreita com a evolução do domínio e uso das fontes de energia dispostas na natureza, e nossa relação com essas fontes se vincula fortemente às estruturas de produção e consumo dos bens e serviços. Desenvolvidas ao longo do tempo, as diferentes tecnologias de conversão de energia condicionaram diversas formas de uso, com distintos rendimentos, que, por sua vez, ocasionaram múltiplos impactos no meio socioeconômico e ambiental.

Hoje nos cabe perguntar como seguir daqui em diante. Que caminhos escolheremos? Quais serão as nossas opções tecnológicas? Movidas a que tipo de energia? Ainda que parte da população mundial aposte em tecnologias de conversão mais eficientes (que ampliam o uso da energia com menor consumo de recursos naturais e menos impactos ambientais), o uso de técnicas anteriores à máquina a vapor é ainda significativo no planeta. Assim, apesar dos avanços tecnológicos recentemente conquistados, e do que ainda está por vir, em várias regiões o futuro energético continua vinculado às escolhas de ontem.

Para compreender essa história, de início é preciso lembrar que, em qualquer tempo ou lugar, o mais complexo sistema conversor de energia do qual o ser humano faz uso reside no próprio corpo humano. Por meio da digestão se processa a conversão da energia química, presente nos alimentos, em calor, energia muscular e cerebral. Ao transferir para além do seu corpo a necessária produção de trabalho, o ser humano dispõe de duas formas básicas de conversão de energia: a orgânica (uso do trabalho animal para produção de energia mecânica, lenha etc.) e a inorgânica (rodas­d’água, cata-ventos, máquinas elétricas, motores de combustão interna, entre outros).

O ser humano evoluiu trocando os conversores orgânicos pelos inorgânicos. A tração humana e animal na produção de bens deu lugar à indústria mecanizada, movida primeiro a vapor, depois a eletricidade.

Nas residências, o aproveitamento da biomassa natural para cozinhar e garantir calefação foi progressivamente substituído por fogões, aquecedores e outros aparelhos domésticos, fruto de avanços técnico-científicos que possibilitaram o uso de fontes de energia antes inacessíveis. Ampliou-se enormemente o emprego de carvão, gás, petróleo, eletricidade e energia nuclear. Assim, cada fonte de energia passou a ocupar seu nicho diferenciado, expandindo o uso e o aproveitamento dos recursos energéticos.

Nesse processo, vê-se que a evolução da humanidade se fez pela mecanização e substituição da força de trabalho rural, cujo efeito foi a migração de grande parte dos trabalhadores agrícolas para o setor de serviços, e a ampliação não só das trocas comerciais, mas também dos bens culturais. Essas mudanças geraram enormes ganhos para a população, seja com a redução ou substituição do trabalho fatigante, seja na melhoria da saúde, da educação, no aumento da seguridade, da longevidade e da renda. Além disso, com o aumento na taxa da energia controlada, os avanços extrapolaram tanto o universo doméstico quanto a produção agrícola e industrial, chegando à navegação, às ferrovias, ao transporte individual e coletivo, beneficiando novos setores de produção à base de energia mecânica e térmica.

Como se pode acompanhar na linha do tempo esquematizada ao lado, o consumo da energia cresceu de forma acelerada a partir do final do século XIX e ainda mais intensamente a partir da segunda metade do século XX.

Numa primeira fase evolutiva, o carvão mineral se tornou o principal combustível das máquinas a vapor, ampliando rapidamente sua fronteira de uso para as mais diversas indústrias. Logo ele se transformou no símbolo energético da Revolução Industrial. A partir daí, a generalização do uso maciço dos combustíveis fósseis pela humanidade constituiu um novo marco no aproveitamento dos processos naturais de acumulação e concentração de energia.

Como sabemos, combustíveis fósseis têm sua origem na energia solar acumulada em plantas e/ou animais submetidos a uma série de processos de concentração e compactação, de milhões de anos de duração. Não há, portanto, possibilidade de recarga na escala de tempo econômico demandado pela sociedade. Assim, quando o uso de carvão mineral se expandiu e levou à utilização do petróleo e do gás natural, a humanidade ingressou na era do consumo de estoques naturais não renováveis de energia.

Na etapa inicial dessa era, o petróleo foi usado apenas na iluminação e na geração de calor, por meio do uso do querosene. Muitas mudanças ocorreram em função de novos domínios tecnológicos, passando o petróleo a ser utilizado para gerar energia mecânica em sua forma direta, tornando-se muito rapidamente a principal fonte de energia para o transporte.

Com o gás natural, a evolução foi mais lenta. Inicialmente ele era considerado um entrave à produção de petróleo. As descobertas de reservas gigantescas e, sobretudo, o contínuo crescimento das necessidades e a multiplicação dos usos energéticos foram decisivos para o desenvolvimento da indústria de gás natural. Superadas as barreiras impostas pelos custos de transporte, o gás natural passou, inclusive, à condição de combustível nobre.

Uma segunda fase evolutiva pode ser apresentada em função do desenvolvimento de uma série de tecnologias surgidas no final do século XIX e início do século XX, que facilitaram a difusão do uso da eletricidade. Ao mesmo tempo, a invenção do gerador elétrico de corrente alternada e dos transformadores elétricos de indução permitiu que o aproveitamento da energia hidráulica fosse novamente considerado no planejamento da expansão do mercado de energia. E as redes de transmissão de energia elétrica tiveram papel importante nessa retomada, ao permitir o transporte a grandes distâncias da energia hidráulica disponível nas barragens.

Todas essas descobertas permitiram a utilização simultânea de múltiplas fontes de energia (lenha, carvão, petróleo, hidráulica) de forma muito flexível, com rendimentos mais elevados e melhor qualidade. Tal diversidade de fontes energéticas disponíveis, combinada com a acumulação de novas tecnologias, viabilizou, portanto, o desenvolvimento de um complexo sistema energético do qual hoje dispomos.

Paralelamente, o domínio do processo de Fissão Nuclear Controlada tornou possível a transformação tecnológica da matéria em energia. Com isso, parecia ter início uma terceira fase no aproveitamento energético, já que, além dos menores custos, se estimava essa fonte de energia como ilimitada. No entanto, embora a energia nuclear responda por 9,7% da oferta de energia primária no planeta, com sistemas instalados e em funcionamento, é recorrente o debate quanto à sua viabilidade, pois se revelaram problemas econômicos e ambientais, com destaque para os riscos que ameaçam a segurança da população.

Embora a energia nuclear responda por 9,7% da oferta de energia primária no planeta, com sistemas instalados e em funcionamento, é recorrente o debate quanto à sua viabilidade, pois se revelaram problemas econômicos e ambientais, com destaque para os riscos que ameaçam a segurança da população.

Outro destaque importante, e mais recente, é a exploração em larga escala do gás de xisto, um gás natural encontrado no interior de um tipo de rocha porosa conhecida como xisto argiloso. Para retirar o gás da rocha, utiliza-se o processo de fraturamento hidráulico, com injeção de água, areia e produtos químicos. É grande o potencial de contaminação da água de abastecimento da população e há quem associe tal processo à ocorrência de tremores de terra. Apesar do risco, a produção do gás de xisto cresce rapidamente desde o ano 2000, sobretudo nos Estados Unidos, onde a expectativa é de alcançar a marca dos 50% do total americano de gás natural em meados da década de 2030.

O atual cenário mundial é, portanto, marcado por uma extrema dependência da produção e do uso de energia de origem fóssil e por empreendimentos ligados à cadeia energética que impõem elevados impactos ao ambiente natural, alimentando uma crescente desconfiança do consumidor ao uso de fontes não renováveis de energia. Isso tem levado a sociedade industrial a redescobrir os fluxos energéticos com base nos recursos naturais renováveis e a buscar processos mais harmonizados com a vida humana e com a capacidade de suporte dos ecossistemas. Tais fluxos, associados a novos desenvolvimentos tecnológicos e de organização produtiva, podem viabilizar o incremento da oferta de energia, deslocando a dependência mundial de combustíveis fósseis e nucleares.

Entre as novas tecnologias renováveis, registram-se os avanços tecnológicos obtidos em nível internacional com o uso de energia solar térmica, solar fotovoltaica, bioenergia, além dos aproveitamentos eólicos e de resíduos sólidos para geração de eletricidade.

A sociedade industrial é levada a redescobrir os fluxos energéticos com base nos recursos naturais renováveis e a buscar processos mais harmonizados com a vida humana e com a capacidade de suporte dos ecossistemas.

O desenvolvimento das técnicas de produção alternativa de energia baseada em recursos renováveis viabilizará o estabelecimento de sistemas energéticos múltiplos e flexíveis, que aproveitem de forma integral, coordenada e descentralizada, as diversas fontes energéticas e as tecnologias disponíveis, sem dispensar as ações de eficiência energética. Assim, se utilizada dentro de certos parâmetros, a nova produção poderá contribuir para minimizar os impactos ambientais advindos do funcionamento do mercado mundial de energia, alinhando-se às demandas de uma sociedade preocupada com a sustentabilidade.

Por fim, deve-se ainda considerar especialmente o recente debate em torno do registro e dos cenários de elevação da temperatura média do planeta, decorrente do aumento das concentrações dos gases que intensificam o efeito estufa, cuja principal fonte é o uso de combustíveis fósseis. Muitos cientistas tendem a concordar com as evidências de relações estreitas entre a produção e o uso da energia e o denominado aquecimento global.[2]

Entre outras estratégias, as fontes renováveis de energia oferecem ao planeta a oportunidade de redução das emissões de carbono e de retomada da trajetória de desenvolvimento econômico inclusivo, alinhada ao equilíbrio ambiental que outrora fazia parte do processo civilizatório da humanidade, pois se baseava na geração de energia renovável.

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