Da baía ao oceano
A relação entre a Baía de Guanabara e o Rio de Janeiro é ancestral: passando pelas cosmogonias indígenas tupinambás até a chegada da primeira expedição portuguesa, pelo desembarque forçado de povos africanos nos portos do entorno e, mais recentemente, pelas mudanças na região do Porto Maravilha, a baía se torna o fio condutor das maiores transformações da cidade. Essa interdependência encontra ecos, ainda, na dinâmica entre a baía e o Oceano Atlântico – uma verdadeira faca de dois gumes: a princípio um berçário vital para espécies oceânicas diversas em busca de nutrientes, esse vínculo é colocado em risco em decorrência do grau de poluição das águas.Refletindo sobre as interseções entre as práticas artísticas e as urgências climáticas, o Museu do Amanhã, em parceria com a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, comissionou trabalhos de cinco artistas. Camila Proto, Chris Tigra, iahra, Lucas Ururahy e Ygor Gama partem de suas pesquisas para tensionar as relações entre natureza e cultura, o individual e o coletivo, o humano e o mais-que-humano. Ao entrecruzarem ciência e ficção em suas investigações, o grupo nos lembra que só se pode estudar aquilo que primeiramente se sonhou. É ao alimentar as forças imaginativas do público que o Museu do Amanhã aposta no potencial de reconexão do humano com o oceano, pautando a sua defesa no resgate da memória que nos conecta.
iahra
1993, São Gonçalo, RJ | vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ
Marés, da série cápsulas-casulos, 2025
Ferro soldado, vidro e água doce
Na série cápsulas-casulos, iahra realiza um processo investigativo sobre os cursos fluviais que formam o Rio de Janeiro, buscando evidenciar um corpo hidrográfico subterrâneo e, em muitos casos, poluído pela ação humana, para versar sobre dinâmicas de sobrevivência e morte biológica e poética. Tendo como ponto de partida a Região Metropolitana, seu lugar de origem e onde hoje vive e trabalha, a obra Marés, comissionada pelo Museu do Amanhã, inicia-se na coleta de água de dois rios que deságuam na Baía de Guanabara: o Jacaré, que nasce no morro do Elefante e entrecorta a favela homônima, e o Faria-Timbó, nascido nas proximidades de Inhaúma. Amostras de ambos são então encapsuladas em jarros de vidro e posicionadas em estruturas de ferro retorcidas para, logo em seguida, serem deslocadas e percorrerem um novo trajeto geográfico a partir do destino de suas esculturas; aqui situadas nos espelhos d’água do Museu. Os líquidos continuam a seguir seus caminhos ao longo do período expositivo, através dos ciclos de evaporação decorrentes do contato com o clima, proporcionando outros rumos e encontros para um corpo vivo que entrelaça a região carioca e nomeia o estado.
A relação entre movimento e forma também se impõe na ordem circular e emaranhada das hastes de ferro contorcidas que sustentam as cápsulas de vidro. Derivando de uma investigação que decorre de experimentações em torno do desenho e do corpo no espaço, a obra encontra ecos em escritos do pintor inglês William Hogarth (1697 – 1764) e do escritor alemão Goethe (1749 – 1832), que produziram reflexões estéticas atrelando padrões curvilíneos e serpenteantes a um princípio do belo e do gracioso. Para este último, a espiral foi compreendida como uma tendência natural, passível de ser encontrada na flora, tratando daquilo que “se aperfeiçoa, se reproduz e, como tal, é efêmero“. Tal conexão, ainda que altamente discutível diante de postulados científicos contemporâneos, é recuperada de maneira livre e poética por iahra, que busca, no tensionamento de objetos rígidos e resistentes, como os vergalhões de ferro, a produção de uma forma sedutora, orgânica e coreográfica. Aproximados de elementos frágeis e maleáveis, como o vidro, a dicotomia material estabelece um equilíbrio entre a estabilidade e a incerteza, caminhando, ainda, em direção à metamorfose, como é o caso dos vetores que circunscrevem os movimentos das águas contidas.
Ao evidenciar e refletir sobre os ciclos relativos aos fluxos das marés, as relações entre o trânsito dos corpos e seus reflexos na água, o entrelaçamento de forças entre corpo e espaço, iahra propõe novos vínculos éticos e sensoriais com o mundo mais-que-humano. Ao tensionar equilíbrio, gravidade, movimento e forma, Marés torna visíveis as forças físico-químicas que regem os corpos terrestres, permitindo aos visitantes acompanharem, dia a dia, as mudanças de sua escultura viva. Instaura-se aqui, citando a filósofa Leda Maria Martins, um tempo “ontologicamente experimentado como movimentos contíguos e simultâneos de retroação, prospecção e reversibilidades, dilatação, expansão e contenção, contração e descontração, sincronia de instâncias compostas de presente, passado e futuro” (MARTINS, 2021).
Mini bio
iahra (1993, Rio de Janeiro) é artista visual. Iniciou seus estudos artísticos em cursos livres na Escola de Artes Spectaculu e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, e é formada no curso técnico em Design de Moda pela Anhanguera e graduanda em Escultura na Escola de Belas Artes da UFRJ. Desenvolve sua prática com base numa poética topológica e em sua relação com elementos que evocam dobras, curvas, casulos, revestimentos e tramas. Ao trabalhar com diferentes materiais, suas obras evidenciam tensões entre matéria, forma, texturas e planos atravessadas por conceitos metafísicos, alquímicos e cósmicos. Foi residente do programa ELÃ, no Galpão Bela Maré (2022), e no programa de residência do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (2020). Dentre suas exposições individuais, destacam-se Aquilo que se tange, na Galeria Cavalo (Rio de Janeiro, 2024) e Outras Frequências, no Centro Cultural São Paulo (2024). Já entre suas exposições coletivas mais recentes, destacam-se Imaginação Radical: 100 anos de Frantz Fanon, no Museu das Favelas (São Paulo, 2025); Histórias da Diversidade, no Museu de Arte de São Paulo (MASP) (2024); Thorns, na Enrico Astuni Galleria (Bolonha, Itália, 2024); Raw, na parceria entre as galerias Fortes D'Aloia & Gabriel e HOA (São Paulo, 2024); Vida Transbordante e os Desejos do Mundo, no Solar dos Abacaxis (Rio de Janeiro, 2023); entre outras.
Lucas Ururahy
1988, Sepetiba, RJ | vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ
Tocando o barco 2, 2025
Madeira, tinta acrílica, tinta spray sobre madeira, PVC, alumínio, plástico e aço
Tambores e tubofones transformam um barco de pesca em uma instalação sonora interativa em Tocando o barco 2. O barco troca as águas pelas ruas e costura a sabedoria dos mares à cultura urbana por meio da criação de um ambiente sensorial. Construída a partir de materiais reaproveitados e elementos náuticos, a peça toma as formas e cores da pesquisa visual do artista, que fusiona a linguagem e as cores do grafite aos deslocamentos simbólicos da arte contemporânea.
Apesar de funcionar como objeto autônomo, a instalação prevê uma série de ativações que visam instaurar um espaço de troca cultural: em encontros que reúnem musicistas, poetas e artistas visuais, Tocando o barco 2 assume o formato de uma jam session, em que ritmos musicais como o jazz, o rap, a poesia falada, o funk carioca, o samba e sons cotidianos se fusionam. Em “rituais de invenção", os encontros unem som, palavra e corpo ao promover a atenção, a escuta e a criação colaborativa, princípios norteadores da prática da pesca, como experiência sensível. Ao reunir as linguagens da pintura, da poesia e da música, Ururahy persegue a construção de uma obra sinestésica, polissêmica e democrática.
Mini bio
Lucas Ururahy (1988, Rio de Janeiro) é artista visual. Formado pela Escola Livre de Artes ELÃ, do Galpão Bela Maré, e pelo programa Formação e Deformação, da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Cursa atualmente Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Paulista. Neto de fabricante de barcos, carrega nas veias a memória das águas. Sua trajetória artística se inicia nas ruas, encontrando na arte urbana, na pichação e no muralismo sua primeira escola, onde começa a desenvolver uma relação profunda com o território, seus símbolos e seus conflitos. Tais investigações desdobram-se em meios como a pintura, a escultura, a performance e a instalação, incursionando também em questões relativas à ecologia, à ancestralidade e às urgências de corpos periféricos. Dentre suas exposições individuais, destacam-se Tocando o barco, no MAC Niterói (Rio de Janeiro, 2024); Chama Maré, no Museu Bispo do Rosario (Rio de Janeiro, 2024); O ser ancestral, na Fábrica Bhering (Rio de Janeiro, 2018); e Flor e ser, no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno (Rio de Janeiro, 2017). Já em exposições coletivas, destacam-se: Afro Brasilidades, na Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro, 2025); Abre Alas 20, na galeria A Gentil Carioca (Rio de Janeiro, 2025); Contemporâneo Ancestral, no Museu da História e da Cultura Afro-brasileira (Muhcab) (Rio de Janeiro, 2023); Festival Escuta, no Instituto Moreira Salles (Rio de Janeiro, 2023), entre outros.
Ygor Gama
1988, Recife, PE | vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ
Em busca de um milagre, 2025
Vídeo-performance em 360° (17’), óculos de realidade virtual, vela de barco em dacron, bancos
Uma pequena embarcação revela o oceano do Rio de Janeiro em Em busca de um milagre, videoperformance em realidade aumentada do artista Ygor Gama. A perambulação marítima revisita o fim da vida do consagrado artista da performance Bas Jan Ader (1942 – 1975), em particular o episódio ocorrido em 1975, quando o holandês decide zarpar de Massachusetts com destino a Londres e, em seguida, à Holanda. A travessia – de mesmo título da obra comissionada de Ygor Gama – tornaria aquele o menor veleiro a cruzar o Atlântico, na época, caso sua missão fosse bem-sucedida. Embora o seu barco tenha sido recuperado dez meses mais tarde por uma outra navegação, seu corpo jamais foi encontrado.
O ímpeto romântico e sonhador de Ader é reencarnado por Ygor, que ao longo de meses se propôs a aprender a nadar – uma falta de habilidade tornada temor após um evento traumático em um acidente marítimo – como maneira de propiciar cruzamentos com os saberes e as economias que orbitam as águas cariocas. Conversas com cientistas, oceanógrafos, geógrafos, barqueiros, velejadores e mergulhadores precedem a experiência do vídeo apresentado, no qual o artista parte da região da Baía de Guanabara em direção às Ilhas Cagarras, onde um corpo à deriva no mar se funde com a paisagem local enquanto navega pelas afluências e movimentações das correntes.
Se flutuar em águas profundas remete à própria atividade do artista, cujo corpo deve se sujeitar às mudanças das ondas sem afundar, o ato também propõe uma reflexão sobre a luta coletiva da humanidade contra um dos principais sintomas do aquecimento global: a elevação dos mares – que, em pontos específicos do globo, já ultrapassa quinze centímetros de aumento, colocando em risco a existência em terra firme. Por entre o equilíbrio tênue da cena, a lembrança daqueles que sucumbiram no passado e dos que hoje resistem no contato com o oceano, o direito ao sonho se torna o motor poético que entrelaça as obras do pernambucano e do holandês.
Produção Executiva: Lorena Pazzanese; Assistência: Alan Athayde; Produção Técnica (Realidade Virtual): Matheus Mendes; Velejador: Valdécio Cézar da Silva (Mestre César)
Mini bio
Ygor Gama (1988, Pernambuco) é designer de imagem e som pela Universidade de Buenos Aires, na Argentina. Após dezessete anos em Buenos Aires e Berlim, regressou ao Brasil e ao Rio de Janeiro em 2023, onde fundou a produtora Cinema do Futuro. Realizou performances e instalações de vídeo em várias cidades – Kiev, Beirute, Viena, Poznań, Buenos Aires – explorando novos formatos para a imagem em movimento atrelados a investigações sobre identidade, gênero e deslocamento. Seu primeiro curta-metragem, Leaving, foi gravado em celulares, estreou no BAFICI e ganhou o prêmio internacional no Festival de Cinema de Viña del Mar, no Chile, em 2012. Em seguida, dirigiu #YA, sobre desobediência civil em espaços urbanos e digitais, apresentado na 65ª Berlinale, na BFI London, no FNC Montreal, no Canal Arte, entre outros (2015-2016). Foi artista residente na Villa Waldberta (AIR Munich, 2022) e no Museu do Amanhã (Tecnologias Afetivas, Rio de Janeiro, 2024), onde desenvolveu Save the Dance – um road movie em paisagens digitais (Animação 3D, com estreia prevista para 2026, via SESC Pulsar). O seu próximo filme, Around the #Sun, recebeu prêmios de desenvolvimento do FIDBA (Argentina), do Sheffield Doc Fest (Reino Unido), do Bio Bio (Chile) e do FAM (Brasil) em 2025.
Chris Tigra
São Paulo, SP | vive e trabalha em Belo Horizonte, MG
Presente, da série Das histórias do mar tenho vivido, 2025
Fibra de Attalea funifera, bambu, latas de alumínio, pedras de reaproveitamento urbano, ossos calcificados, fragmentos, cordas e redes de pesca coletadas no mar.
Presente é uma instalação posicionada no espelho d’água do Museu do Amanhã, pensada por Chris Tigra como um espaço instalado ao lado do oceano Atlântico, em devoção às águas e aos antepassados africanos que chegaram por elas aqui, nesta região, pela rota transatlântica. O culto à memória é pontuado pela artista como um sentimento que celebra as altas tecnologias ancestrais e contemporâneas da cultura com a qual teve contato ao longo de sua trajetória. O trabalho, conduzido pelo gesto de suas mãos, traz amarrações, trançados, balangandãs e bordados manuais.
A forma da instalação é elaborada mediante o uso de fibras naturais e fragmentos encontrados nas águas, episódio tomado pela artista como um presente concedido pela divindade Yemanjá, rainha das águas em culturas iorubás e afrodiaspóricas. Complementam o trabalho as redes de pesca doadas por pescadores e marisqueiras de pequenas comunidades da Bahia e do Rio de Janeiro: “São redes de pesca que já tocaram peixes e tempestades até se desgastarem com o tempo, sustentando famílias que ainda mantêm práticas tradicionais em sintonia com a natureza das marés”, conta a artista, que completa: “usei diferentes técnicas de tecelagem manual para dar novos sentidos à matéria, trabalhando com energia de presença, oferenda e proteção". Por fim, a inteligência do reaproveitamento de latinhas de alumínio foi aplicada nos balangandãs bordados, bem como em pequenas esculturas de ossos calcificados coletados à beira-mar, ambos oferecidos por Tigra como instrumentos sonoros para aquele que comanda os ventos.
Consultoria criativa e suporte técnico: Felipe Bardy (RJ); Colaboração bordados com anéis de latinha: Rejane Aleixo (PE); Assistência: Rose Ianareli (MG)
Doação de redes de pesca usadas: Colônia de Pesca Z 01 (BA) e Marulho (RJ), pescadores e marisqueiras de comunidades independentes da Ilha de Itaparica (BA).
Mini bio
Chris Tigra (São Paulo) é artista multidisciplinar. É pós-graduada em Artes Plásticas e Contemporaneidade pela Escola Guignard – Universidade Estadual de Minas Gerais. Em seus trabalhos, investiga as relações entre memória, contemporaneidade e meio ambiente, com foco em técnicas e tecnologias de existência ancestral. Seu percurso tem contemplado a busca da identidade brasileira a partir da herança de uma diáspora africana marcada pelo apagamento de suas origens. Traçando paralelos entre as complexas relações coloniais e pós-coloniais, sua pesquisa concentra-se em situações, experiências e realidades entre fronteiras, influenciadas pelo seu próprio corpo em movimento – filha de baiana com maranhense, nasceu na cidade de São Paulo e vive e trabalha em Belo Horizonte, MG. É provocadora do Quando Coletivo, onde, através da arte, imagina situações de prazer e liberdade junto a mulheres cis e transgênero em situação de trajetória de vida nas ruas.
Foi contemplada em premiações como Prêmio Décio Novielo, Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger, Salão de Arte Contemporânea de SBC. Participou de exposições no Brasil, na Coreia do Sul, no Peru e nos Estados Unidos. Dentre suas exposições individuais, destacam-se Recostura, na galeria Albuquerque Contemporânea (Belo Horizonte, 2023) e Recostura, no Centenário da Semana de Arte Moderna do Theatro Municipal de São Paulo (2022). Em exposições coletivas, destacam-se: Dona Fulô e Outras Jóias Negras, no Museu de Arte Contemporânea da Bahia (2025); Assento o Futuro em Preta Luminância, no Museu Casa Mário de Andrade (São Paulo, 2025); 9º Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger, no Museu de Arte da Bahia (2024); e Constituinte do Brasil Possível, no Centro Cultural Correios (Rio de Janeiro, 2024) e no Conselho Nacional de Justiça em Brasília (2025), entre outras.
Camila Porto
1996, Porto Alegre, RS | vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ
Escutatório da Guanabara, 2025
Impressão 3D em ABS de algas marinhas e aço galvanizado
O que acontece às margens de um ecossistema marinho continuamente silenciado pelo ruído intenso de uma cidade costeira? Partindo desta pergunta, a artista Camila Proto desenvolveu a escultura Escutatório da Guanabara, objeto composto por dois focalizadores sonoros que reverberam as escutas da Baía de Guanabara, às margens do Museu do Amanhã. Inspirado nas tecnologias de defesa acústicas inventadas durante o início do século 20, impulsionado pelo avanço tecnológico e militar propiciado pela Primeira Guerra Mundial, a artista reimagina a ferramenta propondo, através do exercício da escuta, não a medição, mas a fabulação: ao ouvir os sons dos barcos que ancoram na costa, dos pássaros que sobrevoam as águas e dos seres aquáticos que alçam à superfície, o visitante é convidado a ouvir a sinfonia da vida emaranhada – e, até mesmo, a imaginar sons de tempos e espaços ainda mais distantes.
O gesto de escuta aciona histórias em torno da baía, como a popularmente famosa sobre um “gigante adormecido” que repousa aflorante entre as águas cariocas; das histórias, saberes e rituais indígenas que povoaram a karióka; daqueles que habitam os ecossistemas marinhos e de todo um imaginário de um corpo aquático, acionando a memória das águas. Na varredura pelas flutuações sonoras que estende o campo auditivo das margens do Porto Maravilha até a Ponte Rio-Niterói, o passeio público do Museu do Amanhã converte-se em um espaço generativo de pesquisa voltado à escuta especulativa. O público é convidado a adotar uma postura investigativa, quase científica, em torno dos encontros sonoros somados às memórias individuais.
Produzido em carapaça feita de algas marinhas, o mobiliário urbano propõe a extensão do sentido da audição a partir do encontro entre espécies. Neste sentido, assim como a função das algas marinhas no ecossistema aquático – a saber, a absorção de compostos inorgânicos, bioadsorção, que retira de circulação metais tóxicos das águas, e a oxigenação, que devolve oxigênio –, o escutatório funciona como um filtro sensível, capaz de retirar o ouvinte do ruído da metrópole para prestar atenção ao corpo aquático em sua complexidade e mistério. Em contraposição às tecnologias de medição sonora de uso militar, em que a forma se ajusta à função, o corpo de Escutatório da Guanabara adquire, nesta simbiose, uma forma orgânica e rizomática, crescendo de forma esguia em direção ao tamanho humano.
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Texto Quando o Mar Inspira a Matéria, escrito pela Algaes4y
Esta escultura nasceu do encontro entre a força primitiva das algas, transformada pela Algaes4y em Algaplastic®, e a pesquisa poética de Camila Proto, que deu forma ao invisível.
As algas utilizadas são organismos ancestrais de enorme potência: crescem pela energia do sol, purificam os oceanos e capturam carbono em sua biomassa, carregando uma história que precede a humanidade.
O Algaplastic® é um biopolímero raro, pioneiro no mundo, produzido inteiramente a partir da Kappaphycus alvarezii. Sua matéria incorpora o carbono fixado no oceano e o converte em presença, textura e forma – unindo ciência, engenharia e regeneração ambiental.
Nesta obra, a biomassa que antes dançava com as marés torna-se um dispositivo acústico e participativo, que permite ao público prestar atenção ao que soa às margens desse ecossistema. Aqui, a Baía de Guanabara – continuamente silenciada pelo volume da cidade – é ouvida por meio do próprio organismo que a purifica. Impresso em 3D com Algaplastic®, o Escutatório da Guanabara (2025) aponta como técnica e sensibilidade coexistem na mesma matéria, revelando outras camadas de escuta e narrativa.
Este é um convite para escutar os sons ancestrais da baía, seu fundo mítico, geológico e ecológico – um escutatório feito de algas para ouvir o que ecoa desde antes mesmo do ruído da cidade: o além-paisagem sonoro da Guanabara.
Conexão Oceano é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário, criada em 2019 e alinhada à Década do Oceano. Sua missão é estimular a comunicação sobre a importância da conservação marinha e costeira, conectando diversos públicos e promovendo a cultura oceânica. Uma das principais realizações do movimento é o Edital Conexão Oceano de Comunicação Ambiental, uma ação premiada que valoriza e apoia a produção de conteúdo qualificado sobre a sustentabilidade do oceano. A cada edição, o edital oferece bolsas para reportagens sobre diferentes temáticas, como a relação do mar com as mudanças climáticas ou com as práticas esportivas nos ambientes costeiros. A quinta edição, em 2025, inova ao focar na relação entre a conservação do oceano e a arte, contando com a cooperação da UNESCO e do Museu do Amanhã. Em ano de COP30 no Brasil, esta edição busca usar o potencial das manifestações artísticas para conectar e sensibilizar a sociedade para a causa ambiental, reforçando a conexão direta entre clima e oceano.