Do Brasil para a Lua, o legado sem limites de Santos Dumont
Por Eduardo Carvalho*
Sabemos que Alberto Santos-Dumont foi um inventor dos bons. Precursor do voo controlado, criou o lendário Balão Brasil, o biplano 14-bis e o monoplano Demoiselle, obras-primas que ganharam os céus de Paris e estamparam jornais do mundo todo entre o fim do século XIX e início do XX.
Personalidade brasileira ainda a ser desvendada, foi responsável por feitos que até hoje ecoam em vários setores, principalmente no aeronáutico. Se somos atualmente lar da terceira maior fabricante de aviões do mundo, a Embraer, é graças ao legado de Santos Dumont.
– Ele inaugurou a era das navegações aéreas e ajudou a mudar a geopolítica do mundo no século XX, assim como ocorreu nas Grandes Navegações. Foi um Vasco da Gama moderno – afirma o biofísico Henrique Lins de Barros, consultor científico da exposição temporária do Museu do Amanhã “O poeta voador, Santos Dumont”, em referência ao explorador português que comandou uma das primeiras viagens partindo da Europa rumo à Índia – há mais de 500 anos.
FOTOGALERIA: O legado de Santos Dumont
Não bastasse seu envolvimento com a tecnologia, Dumont também deixou marcas em questões ambientais, arquitetônicas e até em relação aos direitos autorais. Veja algumas delas:
Precursor dos Parques Nacionais do Brasil
Ao visitar as Cataratas do Iguaçu, em Foz do Iguaçu (PR), Santos Dumont ficou maravilhado com a exuberância daquele lugar – inserido em uma área particular. Na época, em 1916, pediu ao governador paranaense, Afonso Camargo, que tornasse o local de interesse público, algo que já era discutido desde o Império. O pedido foi atendido, mas o Parque Nacional do Iguaçu só foi criado em 1939, por política implementada pelo presidente Getúlio Vargas. Atualmente, de acordo com o Instituto Chico Mendes, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, existem no país 320 unidades de conservação federais, que preservam 760 mil km² do território nacional.
Santos Dumont na Lua
No ano em que o cientista completaria 100 anos, em 1973, a União Astronômica Internacional realizou uma homenagem ao inventor brasileiro. Em 20 de julho daquele ano, uma cratera existente na Lua passou a ter seu nome. Com 8,8km de diâmetro, o acidente geográfico lunar fica próximo ao local de pouso da missão Apollo 15, enviada ao satélite natural terrestre em 1971. A homenagem é uma amostra de que Alberto Santos Dumont fez a diferença no mundo.
Direitos de uso liberados
Os inventos de Santos Dumont foram recriados e compartilhados livremente. Apesar de patentear seus trabalhos, os desenhos eram disponibilizados em revistas e outros meios de divulgação da época para que fossem copiados. O biplano Demoiselle, por exemplo, foi refeito por vários empreendedores da época. Alguns consideram o brasileiro como o precursor do “open source”, termo em inglês que significa código aberto – um modelo popularizado a partir dos anos 2000 que promove o licenciamento livre para o design.
A Encantada
Localizada no Morro do Encanto, em Petrópolis, a casa chamada de “Encantada” foi uma encomenda de Santos Dumont ao arquiteto Eduardo Pederneiras. Construída em 1918, em apenas três meses, a moradia foi planejada por ambos para ser pequena, assim como seu proprietário, e pensada para abrigar móveis sob medida, utilizados com várias finalidades. Exemplo é a mesa que servia de escrivaninha, local para refeições e cama. O banheiro do imóvel possui um chuveiro com aquecimento a álcool, feito com um balde perfurado dividido ao meio, com entradas para água fria e quente, e duas correntes de dosagem da temperatura. Sua “Encantada” possuía ainda entradas especiais para receber luz solar, que era refletida em um lustre e permitia a iluminação de todo o interior do imóvel. Hoje, a casa é um museu que recebe cerca de 200 mil visitantes por ano.
Fazenda Cabangu
Fica em Santos Dumont (MG), onde o inventor do voo controlado nasceu, em 1873, quando a localidade ainda se chamava Palmira. O imóvel foi transformado em museu e expõe ao público diversos objetos pessoais da família Dumont. Além disso, em Cabangu foram depositadas as cinzas de Anésia Pinheiro Machado, uma das primeiras mulheres brasileiras a pilotar uma aeronave.
Coração a 7 chaves
O Museu Aeroespacial (Musal), instalado no Campo dos Afonsos, Zona Oeste do Rio de Janeiro, é o guardião do coração de Santos Dumont. O órgão foi retirado após o suicídio do inventor, em 1932, e armazenado em líquido especial por um médico da Faculdade de Medicina de São Paulo. Posteriormente, foi levado para o Musal, em 1944. O coração de Santos Dumont está em um pequeno cofre, chamado escrínio, feito em ouro e com formato de uma esfera celeste, com perfurações que simbolizam estrelas. A peça é sustentada por uma estatueta em bronze de Ícaro, personagem da mitologia grega conhecido pela vontade de voar. O Musal também abriga vários outros pertences do inventor.
*Eduardo Carvalho é redator de Conteúdo do Museu do Amanhã