A COP23 e a “catastrófica brecha climática” | Museu do Amanhã

A COP23 e a “catastrófica brecha climática”

Observatório do Amanhã
Fumaça cinza com fogo / Foto: Pexels

Por Luiz Marques*

Teve início ontem, 6 de novembro de 2017, na cidade alemã de Bonn, mais uma reunião anual da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (UNFCCC), a 23ª Conferência das Partes (COP23). Sua agenda central é fazer avançar as diretrizes de implementação do Acordo de Paris que, assinado por mais de 190 países há dois anos, prevê o compromisso dos países em reduzir emissões de gases de efeito estufa de modo que neste século a temperatura média global não eleve acima de 1,5°C em relação ao clima pré-revolução industrial. 

Essas diretrizes são preparadas por um grupo de trabalho coordenado pela Nova Zelândia e pela... Arábia Saudita, um dos maiores produtores de petróleo do mundo.

Assim, parece improvável a projeção de que “nos próximos 50 anos o petróleo se tornará uma commodity secundária”, tal como disse Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), durante um painel da Future Investment Initiative ocorrido no fim de outubro em Riad, capital saudita. Apesar da declaração fundada em sólido conhecimento científico, vale lembrar o lugar do qual Lagarde fala: o FMI é um dos principais guardiões da ordem econômica internacional – que está condenando os homens e a biosfera a serem “tostados, assados e grelhados num horizonte de tempo de 50 anos”, para citar outra fala de Lagarde no evento. Não tem, portanto, autoridade moral para emitir alertas desse gênero.

No entanto, suas declarações na capital mundial do petróleo têm o mérito de reforçar o senso de urgência requerido para mais essa rodada de negociações.  Esse senso de urgência é mais que nunca necessário, pois o contexto político e ambiental em que se abre a COP23 não poderia ser mais adverso, como bem indica o quadro atual de bloqueio do Acordo, em contraste com a angustiante aceleração da degradação ambiental nos últimos meses. 

Alguns pontos são especialmente preocupantes:

  • Quase dois anos após sua assinatura, o Acordo de Paris ainda não foi ratificado (isto é, não está em vigor) por 13 países produtores e detentores das maiores reservas mundiais de petróleo, conforme mostra a tabela abaixo:

                                                                                 

Foto: Reprodução
Fontes: Paris Agreement - Status of Ratification U.S. | EIA Production of Crude Oil including Lease Condensate 2016

A esses 13 países que não ratificaram o Acordo, acrescentam-se os Estados Unidos, em vias de deixá-lo. Assim, mais de um terço da produção mundial de petróleo encontra-se em nações que não reconhecem oficialmente o Acordo de Paris, e não o reconhecem, declaradamente ou não, porque não têm intenção de diminuir sua produção.

  • Em julho, reunido na China, o G20 deu uma demonstração de fraqueza ou de oportunismo ao ceder às pressões dos EUA e da Arábia Saudita para eliminar de sua declaração conjunta final qualquer menção à necessidade de financiar a adaptação dos países pobres às mudanças climáticas, condição de possibilidade do Acordo de Paris.
  • Em 18 de outubro passado, o Global Forest Watch revelou que em 2016 foram destruídos globalmente 297 mil km2 de florestas pelo avanço da agropecuária, da mineração, da indústria madeireira e de incêndios mais devastadores, criminosos e/ou exacerbados pelas mudanças climáticas. Trata-se de um recorde absoluto em área destruída e de um recorde no salto de 51% em relação a 2015, como mostra a imagem abaixo.

                                                  

       Foto: Reprodução
       Perdas de cobertura florestal global de 2011 a 2016 | Fonte: Global Forest Watch

  • Em 30 de outubro, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) reconheceu um avanço de 3,3 ppm (partes por milhão) nas concentrações atmosféricas de dióxido de carbono no intervalo de apenas 12 meses. Essas concentrações “deram em 2016 um salto, numa velocidade recorde, atingindo seu mais alto nível em 800 mil anos”. Desde 1990, afirma o boletim da OMM, houve um aumento de 40% na forçante radiativa total (o balanço entre a energia incidente e a energia refletida de volta para o espaço pelo sistema climático da Terra) causada pelas emissões de gases de efeito estufa, e um aumento de 2,5% apenas em 2016 em relação a 2015.
  • Enfim, o oitavo Emissions Gap Report, de 2017, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), adverte que as reduções de emissões de gases de efeito estufa acordadas em Paris estão muito aquém do requerido para conter o aquecimento médio global abaixo de 2°C ao longo deste século.

 

Como faz notar Erik Solheim, diretor do (PNUMA), “as promessas atuais dos Estados cobrem não mais que um terço das reduções necessárias. (...) Os governos, o setor privado e a sociedade civil devem superar essa catastrófica brecha climática”. E reafirma que, se os compromissos nacionais (NDCs) forem implementados, chegaremos ao final deste século com um aquecimento médio global de cerca de 3,2°C (2,9°C a 3,4°C). 

Mas os governos estão descumprindo até mesmo esse terço prometido por eles em 2015. 

Segundo Jean Jouzel, ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), “os primeiros balanços das políticas nacionais mostram que, globalmente, estamos abaixo dos engajamentos assumidos em Paris. E sem os EUA, será muito difícil pedir aos outros países que aumentem suas ambições. (...) Para manter alguma chance de permanecer abaixo dos 2°C é necessário que o pico das emissões seja atingido no mais tardar em 2020”.

Mas não há com o que se preocupar. Faltam ainda mais de dois anos...

* Luiz Marques é professor livre-docente do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor de "Capitalismo e Colapso Ambiental", publicado em 2015 e com 2a edição em 2016 pela editora da Unicamp. 

Esse texto é uma adaptação do original publicado no Jornal da Unicamp

 

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