Oceanos em perigo
Luiz Drude Lacerda*
O cenário político internacional e a reposta débil das principais economias do mundo na redução das emissões de gases de efeito estufa – exemplificada na recente decisão do presidente Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris – tornam as mudanças climáticas um perigo real que já deixa suas marcas no equilíbrio do planeta. A alteração na física e na biogeoquímica dos oceanos é prova disso. Hoje, a elevação no nível do mar, alteração na circulação, a acidificação, além dos desequilíbrios na abundância de organismos e a perda de biodiversidade estão transformando a vida dentro e fora da água, uma vez que 70% da população humana, estimada em mais de 7 bilhões de habitantes, vive em áreas costeiras.
Os impactos da elevação do nível do mar resultam na erosão costeira, no aumento da intrusão salina em estuários, na contaminação do lençol freático de áreas litorâneas pela água salgada do mar e inundação de planícies costeiras. Em regiões que sofreram no passado problemas de contaminação ambiental, a erosão costeira poderá também resultar na remobilização de poluentes depositados. Estes impactos implicam sérias consequências socioeconômicas, como investimentos crescentes em obras de engenharia para proteção de áreas portuárias, industriais e urbanas, comprometimento do turismo, diminuição da oferta de água potável, contaminação de solos pelo excesso de sais e, em consequência, risco da segurança alimentar e mesmo de saúde pública.
Já as mudanças na circulação oceânica ocorrem devido ao aumento de calor na atmosfera. Esse aquecimento altera os padrões de direção e intensidade dos ventos e também aceleram o derretimento dos gelos polares, mudando a salinidade e densidade da água do mar. Uma vez que a dependência do clima de determinadas regiões com a interação oceano-atmosfera nas áreas oceânicas adjacentes é significativa, mudanças na circulação oceânica, particularmente graves no Oceano Atlântico Sul, alteram o posicionamento meridional da Zona de Convergência Intertropical. Este fenômeno é responsável pela ocorrência de secas multianuais no Nordeste do Brasil. Além disso, promovem anomalias de pressão e temperatura da superfície do mar, aumentando a frequência e a intensidade de fenômenos climáticos extremos, como chuvas fortes e intensas, ciclones e furacões, como testemunhado nas regiões sul e sudeste do Brasil.
A absorção do CO2 resultante da queima de combustíveis fósseis pelas águas superficiais dos mares resulta em sua acidificação. Cerca de 30% do excesso desse gás carbônico emitido por nossa economia poluente para a atmosfera é absorvido pelos oceanos, reduzindo a velocidade do aquecimento global. Mas o consequente aumento da acidez da água provoca mudanças irreversíveis em suas propriedades químicas, com efeitos diretos sobre organismos marinhos, muitos dos quais dependem de estruturas calcárias como recifes de corais, moluscos e equinodermos, entre outros, cuja calcificação depende de um pH elevado, ou seja, de um ambiente pouco ácido.
Os efeitos da acidificação dos oceanos são graves. Muitos dos organismos aos quais ela afeta têm grande importância econômica, enquanto outros são fundamentais na preservação da biodiversidade marinha. Além disso, esse aumento da acidez também resulta na redução da capacidade do oceano de absorver CO2 no futuro. Com a continuidade da elevação da temperatura dos oceanos, a solubilidade do CO2 na água também diminui, retroalimentando positivamente e acelerando o aquecimento global, pelo aumento ainda maior da concentração de CO2 na atmosfera.
Outras consequências da alteração na temperatura, na composição e acidez dos oceanos é a redução da biodiversidade marinha. Diversas espécies marinhas e costeiras vêm alterando sua área de distribuição. Por exemplo, a migração dos manguezais em direção aos Polos devido ao aumento de temperatura e condições de inverno mais amenas. Outro exemplo é a alteração das áreas de alimentação de grandes peixes carnívoros devido a alterações nos níveis de oxigênio das águas. Além disso, a corrosão progressiva de recifes de coral pela acidificação oceânica resulta em perdas irreversíveis de biodiversidade, com impactos diretos sobre o turismo e a pesca artesanal.
As evidências das transformações que o modelo econômico atual provoca sobre oceanos, como se vê, são muitas. As consequências também. Afetam a vida dentro e fora da água hoje e geram grandes desafios para as próximas décadas. Como agravante, a dificuldade de sustentação de programas interdisciplinares de observação e pesquisa oceânica com foco na mudança climática global e seus efeitos, dificulta a tomada de medidas eficazes de mitigação e adaptação visando aumentar a resistência e resiliência da sociedade à mudança global. O futuro dos oceanos está sendo decidido agora.
* Luiz Drude Lacerda é biólogo e possui experiência na área de oceanografia com ênfase em biogeoquímica e contaminação ambiental. Exerceu diversos cargos de destaque em institutos e comitês especializados na relação oceano, continente e mudanças climáticas. É membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências.