A Saúde Global na Agenda 2030 | Museu do Amanhã

A Saúde Global na Agenda 2030 | Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Observatório do Amanhã
Mulher com trajes tradicionais segurando um bebê recém-nascido. Ao fundo, o que parece ser um hospital sem luxos.

Por Eduardo Faerstein*
 
Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades, até 2030 é um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), compromisso global firmado pelos Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015.

Note-se que até o início do século XIX vivia-se em média 30 anos na maioria dos países. Em contraste, ao longo dos últimos 200 anos houve impressionantes progressos na duração e na qualidade da vida humana, relacionados inicialmente a melhorias nas condições gerais de vida, com destaque para melhorias nutricionais, combinadas na segunda metade do século passado a importantes avanços científicos e tecnológicos na prevenção e tratamento de doenças. Tais progressos, entretanto, foram marcados por grandes desigualdades regionais e sociais na maioria dos países. A diferença na vida média de 34 anos entre Japão, onde a expectativa de vida é de 84 anos, e Sierra Leone, onde essa expectativa é de 50 anos, é por vezes ainda maior entre bairros de muitas cidades em todos os continentes. A partir dos anos 1980, tais desigualdades sociais na saúde vêm aumentando. 

Na Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde, em 2011, governos reconheceram que tais desigualdades são produzidas, fundamentalmente, por “condições sociais em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, as quais recebem a denominação de determinantes sociais da saúde. Esses determinantes incluem as experiências do indivíduo em seus primeiros anos de vida, educação, situação econômica, emprego e trabalho decente, habitação e meio ambiente, além de sistemas eficientes para a prevenção e o tratamento de doenças.” Hoje há maior compreensão sobre as complexas conexões existentes entre os níveis de saúde populacional e seus determinantes sociais, disseminados em praticamente todos os ODS. Eis o cerne do debate contemporâneo sobre os desafios a enfrentar para a melhoria da saúde das populações.

Determinantes sociais da saúde, de natureza macroestrutural e ambiental, têm crescentemente dimensões globais, tendo em vista os complexos e interconectados processos socioeconômicos e socioculturais trazidos à vida dos povos pela globalização dos mercados, mudanças climáticas, perda de biodiversidade e outros fenômenos. Por exemplo: estratos sociais “perdedores” da globalização enfrentam “epidemias do desespero” (abuso de álcool e drogas); estratégias de marketing dos oligopólios transnacionais dos alimentos contribuem para a pandemia de obesidade; mudanças climáticas -- influenciadas, entre outros fatores, pela pecuária -- potencializam epidemias de doenças transmitidas por vetores (Aedes aegypti, outros); redução de habitats naturais expõe indivíduos a novos patógenos, até então restritos aos ciclos silvestres; a exposição à poluição ambiental concentra-se em países e estratos populacionais mais pobres. 

Isoladamente, os estados nacionais têm dificuldades para enfrentar de modo efetivo tais determinantes macroestruturais e ambientais. Nesse sentido, a conjuntura internacional é preocupante, dadas a crescente concentração de poder econômico e político, acompanhada de tendências socialmente regressivas e politicamente isolacionistas e xenófobas.  Esforços dirigidos à implementação da Agenda 2030 -- ODS e suas metas -- representam uma contracorrente àquelas tendências, e devem encontrar inspiração em antecedentes de colaborações internacionais bem-sucedidas em benefício da saúde global, como o Programa de Erradicação da Varíola (1966-1980) e a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (2005), primeiro tratado internacional de saúde da história. Atualmente, debate-se em múltiplas instancias a necessidade de uma Convenção-Quadro para a Saúde Global, um novo tratado de natureza vinculante que torne mais efetiva a governança global em saúde. 

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a saúde

Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS),  concretizados em 169 metas, substituíram a plataforma multilateral Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), acordada em 2000 pelos governos na Cúpula do Milênio - precedida por reuniões promovidas pelo sistema ONU nos anos 1990 (Rio-92 e outras). Após 15 anos de vigência dos ODM, há estórias de sucesso a registrar no campo da saúde, como a redução das mortes infantis e aquelas relacionadas a gestação e ao parto.  Os progressos alcançados, entretanto, ficaram aquém do desejado.  

Em comparação aos ODM, a formulação dos ODS envolveu um processo substancialmente mais amplo de consultas a governos, instituições acadêmicas e sociedade civil. O conceito crucial de indivisibilidade das dimensões econômicas, sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável passou então a ser aceito como estratégico. Não se trata de tese trivial.

O compromisso com a saúde global desdobra-se em metas específicas ao Objetivo 3 (Saúde e Bem-Estar): reduzir a taxa de mortalidade materna; acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de cinco anos; e acabar com as epidemias de AIDS, tuberculose, malária e doenças tropicais negligenciadas, combater a hepatite, doenças transmitidas pela água, e outras doenças transmissíveis. Consta também a redução em um terço da mortalidade prematura por doenças não transmissíveis via prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar; reforçar a prevenção e o tratamento do abuso de substâncias, incluindo o abuso de drogas entorpecentes e uso nocivo do álcool; reduzir pela metade as mortes e os ferimentos globais por acidentes em estradas. O compromisso abrange ainda assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação; atingir a cobertura universal de saúde; e reduzir substancialmente o número de mortes e doenças por produtos químicos perigosos, contaminação e poluição do ar e água do solo. 

Tais compromissos, se cumpridos em estreita conexão com as metas associadas aos demais ODS, potencialmente abrem um novo capítulo na história da saúde das populações: melhoria para todos, com redução das desigualdades.

* Eduardo Faerstein é Professor Associado do Departamento de Epidemiologia do Instituto de Medicina Social da UERJ, coordenador-geral do Centro Brasil de Saúde Global, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Alianza de Asociaciones de Salud Publica de las Americas

O Museu do Amanhã é gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – IDG, e conta com patrocinadores e parcerias que garantem a manutenção e execução dos projetos e programas ao longo do ano. O projeto é uma iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, concebido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo.