Tecnologias aplicadas à saúde: onde estamos e quem tem acesso a elas?
Por Martin Bonamino*
Nos últimos anos, temos visto vários avanços na ciência que têm impactado a saúde humana. Dentre elas, a biotecnologia aplicada à saúde, o uso de robôs em cirurgias e de computação para guiar terapias, auxiliar estudos epidemiológicos ou potencializar análises integradas de fenômenos biológicos. Uma nova revolução está em curso, levando à rápida implementação de estratégias inovadoras no campo da saúde.
O desenvolvimento de novos medicamentos também vem sendo amplamente impactado por ferramentas biotecnológicas desenvolvidas nos últimos anos. Estas tecnologias têm gerado novos fármacos destinados a tratar diversas doenças, como diabetes, doenças auto-imunes e câncer, por exemplo.
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Ainda no desenvolvimento de novos fármacos, na última década aprendemos a transformar células de diferentes órgãos em células-tronco embrionárias. Desta forma é possível testar, no laboratório, compostos terapêuticos em células dos próprios pacientes, avaliando se estes compostos poderiam auxiliar no tratamento da doença daquele paciente específico.
Do ponto de vista terapêutico, a recente possibilidade de manipularmos os genes de células específicas, e até de organismos inteiros, iniciou uma nova era de estudos para a aplicação destas tecnologias nas áreas de produção de medicamentos, diagnóstico de doenças e, mais recentemente, terapia gênica aplicada a diversas enfermidades.
Já é possível realizar múltiplas manipulações genéticas em células de animais gerando, por exemplo, porcos modificados geneticamente para que seus órgãos não sejam rejeitados por seres humanos. Isso abre a possibilidade de transplantes em larga escala a partir desta nova fonte doadora. Esta proposta, embora ainda não testada clinicamente em humanos, ilustra o potencial terapêutico destas técnicas de manipulação do genoma. Estas mesmas ferramentas que permitem editar a nossa sequência do DNA já foram testadas, de forma preliminar, em pacientes com AIDS e câncer. Estes primeiros testes sugerem ser possível editar o DNA de algumas de nossas células de forma segura e eficiente, mudando as características destas células para obter efeitos terapêuticos.
Este maravilhoso mundo novo já começa a gerar impactos reais na vida de pacientes portadores de diferentes doenças. Crianças com alguns tipos de deficiência no sistema imune, por exemplo, têm sido curadas através de técnicas de terapia gênica que permitem adicionar às células do sangue destes indivíduos uma cópia normal do gene defeituoso. Este novo tratamento já está aprovado para comercialização na Europa. Outra terapia com grande sucesso tem sido a modificação genética de células de defesa de pacientes com leucemia, educando estas células modificadas a reconhecerem e eliminarem o tumor. Este tipo de terapia tem se mostrado amplamente eficaz para o tratamento de alguns tipos de leucemia e espera-se que seja aprovada para comercialização ainda em 2017 nos Estados Unidos.
Estas novas técnicas estão chegando de forma acelerada aos pacientes, promovendo benefícios clínicos incontestáveis. Neste cenário, os países que investem pouco em ciência e tecnologia tendem a ficar em segundo plano, exercendo o papel de consumidores destas inovações. Do ponto de vista estratégico, esta postura levará estes países a dispenderem somas altíssimas para consumirem novos tratamentos. Algumas destas novas terapias podem custar centenas de milhares de dólares por paciente.
Embora uma vida não possa ser mensurada em termos financeiros, do ponto de vista de acesso à saúde, estes custos proibitivos impedem que a maioria dos pacientes tenha acesso a estas novas tecnologias e inviabiliza que sistemas de saúde (públicos ou privados) ofereçam estes novos tratamentos em larga escala à população.
O acesso às inovações em saúde é estratégico para permitir o domínio e desenvolvimento de novas formas de terapias, mas também é fundamental para permitir a redução de custos e a popularização destas novas tecnologias, permitindo, em último caso, que a população em geral possa se beneficiar dos avanços que a ciência vem proporcionando na atenção à saúde humana.
*Martin Bonamino é pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e Especialista em Ciência e Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública da Fundação Instituto Oswaldo Cruz-Fiocruz